Roraima não é palanque para Trump

    Não sou defensor do regime político da Venezuela. Mas diferenças políticas com a Venezuela nunca foram impeditivo para o desenvolvimento de relações pacíficas entre os nossos povos.

    A grande nação caribenha e amazônica declarou a sua independência em 5 de julho de 1811 e o Brasil em 7 de setembro de 1822. O primeiro encontro presidencial se deu em 1973, quando era presidente do Brasil o general Emílio Garrastazu Médici e o da Venezuela era Rafael Caldera. Em 1978, foi assinado o importante Tratado de Cooperação Amazônica. Com ele, a Amazônia deixava de ser um espaço de separação para ser um tema de amizade e cooperação. O Presidente do Brasil era o general Ernesto Geisel e o da Venezuela, Carlos Andrés Pérez. Em 1999, foi assinado o Tratado La Guzmania, origem da efetiva e prática cooperação entre os dois países, com a criação do Mecanismo Político de Consulta e da Comissão Binacional de Alto Nível. Presidia o Brasil Itamar Franco e a Venezuela Rafael Caldera.

    A invasão do solo da minha Roraima pelo Secretário de Estado dos Estados Unidos, o ex-Diretor da CIA Mike Pompeo, ciceroneado pelo Chanceler Ernesto Araújo, para promover atos de provocação contra um país vizinho e amigo, é um ato indigno, hostil, desnecessário, sem qualquer vínculo com o interesse nacional.

    Desde o regime militar tínhamos relações amistosas com a Venezuela. Mas já não é assim. A atual política externa do Brasil em relação àquele país vizinho representa uma ruptura com o benéfico processo de aproximação que marcava as nossas relações bilaterais há décadas, depois de mais de um século e meio em que ambos os países se desenvolveram de costas um para o outro, com a Amazônia a separá-los.

    A razão para o declínio diplomático é evidente. O Itamaraty foi capturado por uma espécie de internacional da extrema direita. Um tal Olavo de Carvalho manda e desmanda no Itamaraty. Eu venho alertando o presidente Bolsonaro de que são preocupantes as crescentes hostilidades da parte do Chanceler Ernesto Araújo para com o governo da Venezuela.  O quadro atual, que já é desfavorável aos negócios, será agravado absurda e desnecessariamente com a escalada de medidas provocativas, irresponsáveis e contrárias ao interesse nacional de parte do Chanceler.

    Os presidentes Ernesto Geisel e Carlos Andrés Pérez assinaram, em 1978, o Tratado de Cooperação Amazônica ampliando a amizade e o entendimento entre o Brasil e a Venezuela.

    A situação somente não é mais grave porque este Senador, no exercício legítimo da diplomacia parlamentar e contando com o apoio de parlamentares venezuelanos, do Chanceler da Venezuela Jorge Arreaza e do Embaixador da Venezuela no Brasil Alberto Castellar, obteve do Presidente da República do país vizinho a reabertura da fronteira, que havia sido fechada como resposta à tentativa atabalhoada e midiática do Chanceler Ernesto Araújo de impor “ajuda humanitária” voltada a humilhar o governo e derrubá-lo para impor um aliado incondicional dos EUA.

    O fechamento da fronteira fez com que a maior parte dos estabelecimentos comerciais de Pacaraima fechassem as suas portas e a economia roraimense, quase absolutamente assentada na produção primária, ameaçava entrar em colapso com o corte do fornecimento do calcário, por exemplo. A energia fornecida pela usina de Guri também foi interrompida e não podíamos exportar os nossos produtos para o país vizinho.

    Com a reabertura da fronteira, obtida pela diplomacia parlamentar, o crescimento do PIB de Roraima em 2019 foi de 4,3%, o melhor resultado em seis anos, impulsionado pelas exportações para a Venezuela, segundo estudo da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento do Estado, enquanto o Brasil amargou um preocupante crescimento de 1,1%.

    Dentre os itens que favoreceram o resultado positivo nas exportações, que aumentaram dez vezes em relação a 2018, estão os gêneros alimentícios vendidos para a Venezuela. De todas as exportações, de US$ 72,2 milhões, quase a metade foi para o país vizinho.

    Os presidentes Itamar Franco e Rafael Caldera criaram, em 1994, o Mecanismo Político de Consulta da Comissão Binacional de Alto Nível, fortalecendo a cooperação e a amizade entre o Brasil e a Venezuela.

    Tudo isso pode ser jogado por terra pela estupidez extremista de um seguidor de Olavo de Carvalho que usurpa a cadeira de Chanceler desta grande Nação. Eu listei ao Presidente os crimes do senhor Ernesto Araújo: (i) participação no grotesco espetáculo de ingresso forçado de “ajuda humanitária”, (ii) esvaziamento da nossa representação diplomática pela retirada de diplomatas brasileiros com o objetivo evidente de obrigar, pela via da reciprocidade, a consequente esterilização da representação diplomática designada pelo atual governo venezuelano no Brasil, (iii) expulsão dos representantes diplomáticos venezuelanos em plena pandemia do Coronavírus (impedida pela ação republicana e constitucional do Procurador Geral da República e do Supremo Tribunal Federal) e, agora, (iv) em conclusão do processo de traição ao interesse nacional por parte do Chanceler, o Itamaraty declara “persona non grata” os representantes do governo da Venezuela, o que equivale a retirar-lhes as imunidades diplomáticas e, como efeito prático, conseguir por vias oblíquas o que o Supremo Tribunal Federal lhe impediu de fazer.”

    O então ministro da Defesa do Brasil, Silva e Luna, e o ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino, mantiveram reunião de cooperação em 2018 para administrar as relações fronteiriças entre os dois países.

    Eu sinceramente imaginava que os alertas que fiz ao Presidente refreariam a escalada de provocações de Ernesto Araújo em relação à Venezuela. No entanto, para a minha surpresa e profunda indignação o Chanceler promove o ato mais hostil que se poderia imaginar contra o governo e o povo venezuelanos e para isso usa de maneira vil e covarde o sagrado solo roraimense, onde os meus antepassados lutaram com armas em defesa do território nacional.

    A invasão do solo da minha Roraima pelo Secretário de Estado dos Estados Unidos, o ex-Diretor da CIA Mike Pompeo, ciceroneado pelo Chanceler Ernesto Araújo, para promover atos de provocação contra um país vizinho e amigo, é um ato indigno, hostil, desnecessário, sem qualquer vínculo com o interesse nacional. Trata-se de mais um ato midiático voltado a promover os interesses eleitorais do Partido Republicano às vésperas das eleições naquele país. Roraima, a minha Roraima, transformada em palanque eleitoral do senhor Donald Trump é algo que eu, sinceramente, jamais imaginava que veria, não posso aceitar e não aceitarei passivamente.

    O ministro da Defesa, Fernando Azevedo, tem o grande desafio de manter a normalidade das relações na fronteira do Brasil com a Venezuela na área de defesa.

    Em recente carta ao Presidente, eu o lembrei do gesto de um ex-Presidente, também militar, o general Ernesto Geisel. O Brasil, em ato soberano de administração dos nossos interesses nas relações internacionais, foi o primeiro país do mundo ocidental a reconhecer a República de Angola, recém saída de uma guerra de libertação nacional e com um governo socialista. O Presidente Geisel não admitiu que o Secretário de Estado estadunidense Henry Kissinger, que veio ao Brasil em abril de 1975, ousasse tratar do assunto no solo pátrio. Na época, o Itamaraty estava sob o comando do Chanceler Azeredo da Silveira.

    Na mesma correspondência, também pude fazer menção às declarações do general Villas-Bôas na Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, quando ocupava o Comando do Exército, no sentido de que o Brasil é grande demais para não ter um projeto nacional. O Brasil não pode ser apêndice de nenhuma potência, porque o Brasil é ele próprio um grande país. Ao Brasil interessa mais que a nenhum outro país que a América do Sul viva em paz. A Roraima interessa a paz nas nossas fronteiras. Atos gratuitos de hostilidade para com os governos dos países vizinhos não consultam o interesse nacional. A quem interessa tensões nas nossas fronteiras?

    Eu somente continha a minha indignação diante da presença do senhor Ernesto Araújo à frente do Itamaraty em respeito ao Presidente. Todavia, quando assisti a uma entrevista do cidadão Olavo de Carvalho à BBC (https://www.youtube.com/watch?v=HZwWcy4UTDU), na qual ele se apresenta como responsável político pela nomeação do senhor Ernesto Araújo, eu passei a considerar que devo lutar para livrar o Presidente de semelhante má companhia. Esse Olavo de Carvalho está auto-exilado nos EUA (do que vive?), de onde quer fazer parecer que governa o Brasil, ofendendo brasileiros, dizendo impropérios e palavrões contra altos dignatários da República, inclusive honrados generais do Exército brasileiro. Não estranha que seja o líder espiritual do senhor Ernesto Araújo.

    A visita de Mike Pompeo, ciceroneado por Ernesto Araujo aparece como provocação desnecessária à Venezuela.

    O meu dever de lealdade com o Presidente me fez dar a ele conhecimento das medidas que tomarei a respeito dos crimes do senhor Ernesto Araújo contra a Nação:

    (i) utilizarei as minhas prerrogativas parlamentares para que a ação fiscalizatória do Senado Federal e do Congresso Nacional sejam acionadas imediatamente;

    (ii) divulgarei amplamente os seus crimes interna e internacionalmente;

    (iii) ingressarei com Representação junto ao Procurador Geral da República para que ofereça denúncia contra o Ministro por crime de responsabilidade junto ao Supremo Tribunal Federal, com fundamento na Constituição Federal, arts. 102, I, c, e 129, I, e na Lei no 1.079/50.

    (iv) em razão de não estar pacificado no STF o entendimento a respeito da vigência do art. 14 da Lei no 1.079/50 (legitimação universal) no caso de impeachment de Ministro de Estado por crime de responsabilidade não conexo ao praticado pelo Presidente ou o Vice-Presidente da República (art. 52, I, CF), ingressarei com Petição no Supremo Tribunal Federal por crime de responsabilidade contra o Ministro com fundamento arts. 102, I, c, e na Lei no 1.079/50.

    (v) uma vez que apenas extremismo ideológico e irracionalidade gratuita não explicam suficientemente a obsessão do Chanceler contra a paz com a Venezuela, ingressarei de Representação Geral da República para que determine investigação a respeito da movimentação financeira, em nível internacional, do Ministro.

    Considero um dever de todo brasileiro defender a Pátria. Recebo dos meus antepassados o legado de compromisso de vida e de morte com o povo roraimense e brasileiro. O meu bisavô, Coronel Mota, educador e Juiz de Paz, foi o primeiro prefeito de Boa Vista. O seu primeiro filho, o tio Vítor, morreu lutando pelo território nacional contra os ingleses. Junto a ele estava o meu avô, Pedro Rodrigues, o último comandante do Forte São Joaquim do Rio Branco.

    Nasci numa comunidade indígena. Aprendi com a minha mãe, Ana, índia Macuxi, e com o meu pai, o vaqueiro Tuxaua Pereira, a amar as pessoas e a ter coragem na vida. Os meus antepassados arriscaram tudo para defender o povo de Roraima e o interesse nacional e um deles, o tio Vítor, perdeu a vida pela nobre causa da Pátria.

    Roraima não é palanque para políticos estadunidenses. Não posso me deter, não me deterei diante do Golias de pés de barro do neocolonialismo que busca sujar o solo sagrado de Roraima, conquistado ao território brasileiro com sangue, suor e lágrimas. A paz na América do Sul é um valor duramente obtido. Não abriremos mão da Paz e lutaremos por ela como sempre fizemos.

    Telmario Mota
    Senador - Roraima (PROS)

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    6 COMENTÁRIOS

    1. Em qual planeta vives o cara-pálida? A Venezuela está acabada e a preocupação com a democracia e liberdade do povo deve ser universal. O Brasil é soberano e deve procurar a melhor solução para seu povo, estamos recebendo imigrantes que devem ser acolhidos, porém as nações se unem para salvar os venezuelanos das garras comunistas.

    2. Meus parabéns por todas as providências tomadas para defender a nossa democracia e a paz entre o Brasil os nossos Países irmãos! Realmente não se pode permitir à nenhum país que venham ao nosso solo para usar o nosso País para promover atos de provocação contra países vizinhos! O Brasil deve continuar sendo neutro e mediador da Paz!

    3. Grande senador brasileiro de sangue wapichana defendendo o solo e irmaos roraimenses da insanidade de pretenso chanceler a servico de funcionario dos EUA a dois meses da demissao e do ostracismo.
      Situacao ridicula que humilha o Itamaraty e
      nossa defesa nacional claramente posicionada sobre o assunto. Que os irmaos roraimenses não venham sofrer danos pela incontinencia de atitudes desesperadas de aventureiros ainda com capacidade institucional remanecente de fase anomala da vida nacional. O disse gen. Vilasboas: muito grande para ser pequeno.

    4. Obviamente, as referências a Itamar Franco presidente brasileiro estão equivocadas na data, pois Itamar presidiu o país até 1994…

      • Prezado Carlos Thadeu,
        A editoria do Portal Bonifácio corrigiu a data do encontro do presidente Itamar Franco com o presidente Rafael Caldera, que estava registrada como 1999, para a data certa: 1994.
        Muito obrigada pela sua observação.

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