Márcia De Chiara e Cleide Silva / Agência Estadp
Apesar das estimativas apontarem que o País pode ter neste ano a maior
safra de grãos da história, a receita dos produtores deve encolher.
Depois de ter crescido quase 20% em 2018, embalada pelas exportações
para a China, a renda nominal agrícola deve ter queda de 0,16%, segundo
projeções de analistas Ainda que pequena, a mudança de trajetória é
simbólica. Se confirmada, será o primeiro recuo desde 2010.
Na quinta-feira, 11, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
anunciou que a safra de grãos 2018/2019 deve atingir 240, 7 milhões de
toneladas, superando o recorde anterior de 237,6 milhões de toneladas da
safra 2016/2017.
Produtores alegam que operam com margens apertadas, especialmente por
causa do tabelamento do frete, da alta do câmbio e da queda dos preços
internacionais dos grãos.
Entre algodão, arroz, feijão, milho, soja e trigo, a renda agrícola deve
somar R$ 244,9 bilhões este ano, segundo projeções da consultoria
MacroSector. “Houve queda de preços no mercado internacional, sobretudo
da soja, e a economia global está enfraquecendo”, afirma Fabio Silveira,
sócio da MacroSector, que calculou a renda do setor. Descontada a
inflação, a perda de renda será ainda maior que a prevista até agora,
diz ele.
A soja responde por mais da metade da receita de grãos e é um dos
pilares da balança comercial do País. A produção deste ano já foi 4,5%
inferior a de 2018, segundo o IBGE.
Diante desse cenário, os produtores estão inseguros em relação aos
preparativos para o plantio da próxima safra no Centro-Sul, a partir de
setembro. “A situação é bem desconfortável e o produtor de soja vai
trabalhar no fio da navalha este ano”, afirma Ilson José Redivo,
presidente do Sindicato Rural de Sinop (MT), que representa 350
agricultores.
O Mato Grosso é o principal Estado produtor de soja. A área plantada na
safra 2019/2020 deve ter o menor avanço dos últimos anos, de apenas
0,59%, segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária
(Imea). Nas contas da entidade devem ser semeados 9,7 milhões de
hectares.
O preço da soja está abaixo do patamar histórico e, com a recente
valorização do real, deve cair ainda mais. Após todos os descontos, o
produtor de Sinop, por exemplo, recebe entre R$ 62 e R$ 63 por saca.
Essa cifra praticamente empata com o custo de produção. Tiago Stefanello
Nogueira, presidente do Sindicato Rural de Sorriso (MT), diz que os
insumos para a produção da próxima safra subiram entre 10% e 15% em
relação a 2018.
A produtividade da soja também pode ser menor. O produtor e distribuidor
de sementes do Mato Grosso, Carlos Ernesto Augustin, diz que
agricultores estão adquirindo o produto mais barato, sem tratamento,
menos resistente e menos produtivo.
O fertilizante foi o item que mais encareceu. “Há regiões onde o preço
aumentou entre 25% e 30%”, diz Bruno Lucchi, superintendente técnico da
Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).
Há muita apreensão para a próxima safra, diz Antonio Chavaglia,
presidente da Comigo, cooperativa de produtores de Rio Verde (GO). “O
preço dos insumos estourou e as compras estão atrasadas “
Além da alta do câmbio no primeiro semestre, que afetou diretamente o
preço do adubo que usa micronutrientes importados, Lucchi destaca o
impacto do tabelamento do frete. “A tabela do frete é uma bomba relógio:
ela é atualizada pela inflação e gera inflação.”
Guerra. Embora tenha sido amenizada nos últimos dias, Augustin
afirma que a insegurança no campo também ocorre em razão da guerra
comercial entre EUA e China. “Há uma pressão grande e o produtor tem
medo de plantar e sobrar produto”, diz. “Ninguém vai deixar de plantar,
mas fará isso com cautela e da forma mais barata possível”.
O sócio da MBAgro, José Carlos Hausknecht, ressalta que a guerra
comercial beneficia o País num primeiro momento, à medida em que os
chineses pagam prêmios pela soja brasileira. O problema, afirma, é que a
China reduziu o consumo em razão da peste suína africana.
Para Guilherme Bellotti, analista sênior de Agronegócios do Itaú BBA,
produtores brasileiros ficaram muito dependentes da China, considerada
por ele um “parceiro instável por ter capacidade de mexer com as
expectativas e reduzir preços”. Ele estima que este ano o País deve
exportar 70 milhões de toneladas, ante 84 milhões em 2018, sendo 80%
para a China.
Lucchi ressalta que a peste que dizimou os suínos na China pode, por
outro lado, resultar em avanço nas importações de carnes. / COLABOROU VINICIUS NEDER
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.