Putin impõe um novo limite à expansão da OTAN no Leste da Europa

    O temor de uma invasão russa da Ucrânia aumentou nas últimas semanas. Novos relatórios de inteligência dos EUA falam que a Rússia estaria planejando reunir 175 mil soldados na fronteira, o dobro do acumulado na primavera.

    Conforme destaca o Financial Times (07/12), “Depois de posicionar 90.000 soldados perto das fronteiras da Ucrânia, a Rússia começou a sinalizar o que pretende alcançar. O Kremlin disse que Putin exigirá um acordo para “excluir qualquer expansão adicional da OTAN para o leste” para abranger a Ucrânia. Biden disse acertadamente que não pode fornecer tal garantia. Dissuadir a agressão russa, ao tentar resolver o enigma da OTAN sem trair a segurança da Ucrânia ou as esperanças de uma maior integração ocidental, é a chave para acalmar as tensões que representam uma ameaça à estabilidade na Europa”.

    A questão de fundo é a intenção russa de fixar um limite para a expansão OTAN sobre países do Leste Europeu que no passado recente fizeram parte da extinta União Soviética e que, com seu fim, em 1991, formaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI).

    Em 1990, de acordo com documentos recentes divulgados, o secretário de Estado americano James Baker garantiu ao líder soviético Mikhail Gorbachev que a Otan não se expandiria “uma polegada” a leste da Alemanha. Trinta anos atrás, essa era a linha vermelha da Rússia. Essa linha vermelha mudou de uma polegada para 600 milhas depois que a Otan avançou sobre a Hungria, República Tcheca, Estônia, Letônia, Lituânia, Bulgária, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Albânia, Croácia, Montenegro e Polônia. Seiscentas milhas de promessas quebradas trouxeram os EUA e a Otan até a fronteira com a Ucrânia. Agora o presidente Vladimir Putin quer estabelecer um novo limite para garantir que a Otan não se expanda mais a leste, até a Ucrânia[i].

    Em 1° de setembro, o presidente Biden se encontrou com o presidente ucraniano Volodymyr Zemlinsky na Casa Branca e prometeu seu “apoio às aspirações euro-atlânticas da Ucrânia” e ajuda americana às aspirações da Ucrânia de “estar totalmente integrada na Europa.” Na ocasião ele anunciou “um novo pacote de assistência de segurança de U$ 60 milhões”, além dos US$ 400 milhões em assistência de segurança que os EUA já forneceram à Ucrânia este ano[ii].

    Para o presidente Putin esse avanço dos Estados Unidos e da Otan é inaceitável não apenas por razões de segurança, mas porque isso representaria separar da Rússia uma área que Putin julga parte inseparável do que ele considera a Grande Nação Russa, que na visão dele é formada pela Rússia, Ucrânia e Bielorrússia.

    Para entender a posição de Putin é interessante ler um artigo escrito por ele mesmo em junho deste ano, disponível no site do Kremlin[iii]. No artigo que, segundo consta, é leitura obrigatória entre os militares russos, Putin expõe de forma meridiana o que pensa a respeito das relações entre Rússia e Ucrânia. Logo no início, antes de justificar sua visão por meio de uma extensa análise histórica, Putin relata que ao ser questionado sobre as relações russo-ucranianas, disse que russos e ucranianos eram um só povo – um único todo.

    Segundo ele, essas palavras não foram motivadas por considerações de curto prazo ou pelo contexto político atual, mas por razões históricas. Segundo Putin, o muro que surgiu nos últimos anos entre a Rússia e a Ucrânia, entre as partes do que é essencialmente o mesmo espaço histórico e espiritual, a seu ver “é nosso grande infortúnio e tragédia comum. Estas são, antes de mais nada, as consequências dos nossos próprios erros cometidos em diferentes períodos de tempo. Mas estes também são o resultado de esforços deliberados por aquelas forças que sempre procuraram minar nossa unidade”.

    Para Putin, “Russos, ucranianos e bielorrussos são todos descendentes da Antiga Rus, que era o maior estado da Europa. Tribos eslavas e outras em todo o vasto território – desde Ladoga, Novgorod e Pskov para Kiev e Chernigov – estavam unidas por um idioma (que agora chamamos de russo antigo), por laços econômicos e o governo dos príncipes da dinastia Rurik, e – após o batismo de Rus – a fé ortodoxa. A escolha espiritual feita por São Vladimir, que era Príncipe de Novgorod e Grande Príncipe de Kiev, ainda determina em grande parte nossa afinidade hoje”.

    Tudo indica, portanto, que Putin adotou uma nova linha e parece não estar blefando quando diz que não aceitará em hipótese alguma que a Ucrânia passe a integrar a Otan. Como o presidente Biden em uma videoconferência com Putin no início do mês afirmou que não poderia oferecer essa garantia, é pouco provável que esse impasse se resolva de forma pacífica, dada a disposição do atual presidente ucraniano de integrar seu país à OTAN.

    O ministro das relações exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, publicou, em agosto, na revista americana Foreign Affairs, um artigo cujo título é “A Ucrânia é parte do Ocidente”, no qual rebate os argumentos do presidente Putin e conclama a Otan e a União Europeia a defender o seu país.

    No artigo ele afirma que “Na Ucrânia e em outros lugares, o corte dos laços com Moscou ocorrerá, independentemente do que Putin ou sua comitiva tenham a dizer sobre isso. Os Estados Unidos e seus parceiros ocidentais, portanto, têm a oportunidade de traçar uma estratégia ambiciosa na região, com políticas específicas sob medida para as circunstâncias de cada país e bloco. No caso da Ucrânia e da Geórgia, avançar com a adesão à OTAN deve ser uma das principais prioridades. Tal como a própria OTAN declarou no comunicado da cimeira de Bucareste de 2008 e reafirmou em Bruxelas este ano, este resultado é inevitável. Ambos os países já participam nas atividades da OTAN como “Parceiros de Oportunidades Aprimoradas”. As contribuições da Bulgária, Romênia e Turquia, Ucrânia e Geórgia são essenciais para garantir a segurança no Mar Negro. A Rússia está se tornando cada vez mais agressiva na região: está interrompendo rotas comerciais e interferindo na liberdade de navegação, aumentando suas capacidades convencionais e nucleares na Crimeia ocupada, e usando o território como um centro logístico para suas atividades militares no Oriente Médio”[iv].

    A China acompanha de perto o desenrolar da contenda. Segundo o jornal chinês Global Times, “Analistas chineses disseram que o bloco liderado pelos EUA não abrirá mão da expansão para o leste e que a Rússia definitivamente tomará medidas para retaliar. Eles observaram que, embora a China espere que os dois lados possam resolver a situação pacificamente, é improvável que cheguem a um novo acordo sem qualquer atrito e disputa e que, se as negociações fracassarem, pelo menos alguns conflitos regionais podem vir a eclodir”[v].


    [i] https://www.globalresearch.ca/putin-sets-new-red-line-nato-expansion/5763711

    [ii] https://www.wionews.com/world/biden-vows-support-to-ukraine-offers-60-million-in-new-security-aid-410078

    [iii] http://en.kremlin.ru/events/president/news/66181

    [iv] https://www.foreignaffairs.com/print/node/1127645

    [v] https://www.globaltimes.cn/page/202112/1242845.shtml

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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    1 COMENTÁRIO

    1. Gostaria se possível uma breve análise do conflito entre Azerbaijão e Armênia.
      Com ênfase no uso de armas proibidas por parte do Azerbaijão, como fósforo branco e na manutenção de soldados Armênios em cárcere como terroristas e principalmente no uso de mais de 3.000.000 terroristas do movimento ISSIS da Síria no conflito como linha de frente, constado pelos governos da Rússia-França e USA
      Tudo isso na ótica do nosso Exército Brasileiro e dos Direitos Humanos.

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