O assassinato do general iraniano Qasem Soleimani – comandante da Força Quds – por um ataque orquestrado pelos EUA, em Bagdá, no último dia 3 de janeiro, desencadeou o acirramento das tensões existentes entre EUA e Irã desde a década de 1950.
Compreender o papel central dos governos norte-americano e britânico no golpe de Estado que depôs o governo nacionalista de Mohammed Mossadegh em 1953, bem como o caráter e as consequências da ingerência e exploração estrangeira que assolou o país até a Revolução Islâmica de 1979, é fundamental para compreender o sentido dos anseios soberanos do Irã, seu papel na disputa pela hegemonia regional e suas percepções acerca dos interesses das potências ocidentais no Oriente Médio, sobretudo, os EUA.
Este texto tem como objetivo apresentar o trabalho do jornalista Stephen Kinzer, oriundo de uma profunda pesquisa documental, no qual reconstrói de maneira coerente e detalhada as sucessivas empreitadas de dominação estrangeira sobre o Irã desde o final do século XIX, bem como o processo de fortalecimento do movimento nacionalista concentrado em torno da proteção da indústria do petróleo – a commodity que coloca o país no centro das disputas geopolíticas mundiais.
No
livro intitulado “Todos os homens do Xá: o golpe norte-americano no Irã e as
raízes do terror no Oriente Médio”, Kinzer descreve, com riqueza de detalhes, o
processo de envolvimento da Agência Central de Inteligência (CIA) – com apoio
do Foreign Office britânico – na articulação do golpe de Estado que depôs o Primeiro
Ministro Mohammed Mossadegh após a adoção de medidas que culminaram com a
nacionalização do petróleo iraniano – e consequente expropriação da empresa
britânica Anglo-Iranian Oil Company. A pesquisa só foi possível após a
divulgação de informações oriundas de documentos classificados da CIA, pelo
jornal New York Times, em 2000. O
autor também recorre a depoimentos e relatos publicados por agentes americanos
diretamente envolvidos na articulação do golpe. Após 47 anos, os EUA admitiram
oficialmente seu envolvimento, conforme explicitado na declaração proferida
pela Secretária de Estado Madeleine Albright, durante um discurso em
Washington: “Em 1953 os Estados Unidos jogaram um papel significativo na
orquestração da queda do popular primeiro Ministro do Irã, Mohammed Mossadegh.
O governo Eisenhower acreditava que suas ações eram justificadas por motivos
estratégicos. Mas o golpe foi um claro retrocesso no desenvolvimento político
do Irã. E é fácil ver agora por que muitos iranianos continuam a se ressentir
dessa intervenção da América em seus assuntos internos”.
A análise de Kinzer, no entanto, não se atém apenas aos acontecimentos de 1953. A fim de compreender o processo de espoliação dos recursos econômicos iranianos pelas potências estrangeiras endossados por sucessivos governos pouco comprometidos com o desenvolvimento nacional e o bem-estar do povo iraniano, bem como a construção do nacionalismo iraniano no contexto mais amplo das insurgências anticolonialistas e anti-imperialistas, o autor remonta a análise ao final do século XIX e às disputas geopolíticas das potências imperiais Grã-Bretanha e Rússia pelo território e os recursos naturais persas. Kinzer preocupa-se, ainda, em compreender o povo iraniano em suas mais profundas raízes culturais, remetendo ao processo de dominação árabe, a incorporação e interpretação da religião em sua vertente xiita imbuída na concepção filosófica zoroastrista.
Embora dominados por árabes sunitas, os persas assimilaram o islamismo em sua concepção xiita – o que pode ser entendido como uma “rebeldia com aparência de submissão”, conforme notou o Xá Ismail, em 1501. O sentido do martírio refletido na trajetória do imã Hussein e a legitimidade atribuída ao governo justo exprimido pelo conceito zoroastrista da farr subjazem a maneira como os xiitas iranianos interpretam a vida cotidiana, em suas diferentes esferas, inclusive política.
Seguindo um fio condutor que busca mapear o que considera o início da insurgência do povo iraniano contra o despotismo comprometido com os interesses estrangeiros, Kinzer inicia a narrativa pontuando duas revoltas populares que marcaram o fim do século XIX e o início do século XX no Irã: a Revolta do Tabaco (1891) e a Revolta da Constituição (1906). Após vender ao britânico Julius de Reuters, em 1872, o direito exclusivo de comandar as indústrias do país, irrigar fazendas, explorar os recursos minerais, expandir as estradas de ferro e criar bancos nacionais (concessões que tiveram de ser revogadas após um ano) e, nos anos seguintes, negociar três consórcios com os britânicos (referentes à prospecção mineral, abertura de bancos e direito exclusivo de comércio ao longo do rio Karun), o Xá Nasir Al Din – da dinastia Qajar – vendeu a empresa fumageira iraniana aos britânicos. O acordo determinava que todo plantador de tabaco seria obrigado a vender a produção para a British Imperial Tobacco Company, que teria o monopólio da comercialização do produto. Tal medida fomentou a revolta do povo iraniano que, em protesto, boicotou a indústria de tabaco. Até as esposas do Xá deixaram de fumar em repúdio a tal medida. Sob pressão, o Xá revogou a concessão sob o pagamento de uma pesada rescisão aos britânicos. Era a vitória da Revolta do tabaco.
A venda de concessões a estrangeiros, no entanto, não cessou com a insurgência popular. Em 1901, o sucessor de Nasir Al Din, seu filho Muzzafar Al Din, vendeu ao financista britânico William Knox D´arcy o direito exclusivo de prospectar, explorar e comercializar gás natural e petróleo pelo período de 60 anos. Após 10 anos, a expedição de D´arcy encontrou petróleo e iniciou o projeto de exploração que implicaria o curso da história do Irã.
Em 1905, após a prisão de um grupo de comerciantes envolvidos em uma disputa pelo preço do açúcar e a aplicação de castigos corporais (bastinado) aos prisioneiros, iniciou-se uma ampla manifestação que reivindicava a demissão do governador local e o fim dos castigos corporais. Conforme a manifestação ganhava corpo – chegando à improvável cooperação entre clérigos e reformistas seculares -, as reivindicações passaram a contemplar a demanda pela redução dos impostos e, finalmente, a formação de uma Assembleia Nacional que garantisse a execução equitativa da lei para pessoas de todas as regiões e classes sociais. A Revolta da Constituição (1906) – como ficou conhecida na historiografia, uma vez que levou à promulgação de uma Carta Constitucional – acarretou a criação de um parlamento – o Majlis. As leis aprovadas pelo Majlis deveriam passar pela anuência do Xá. Uma semana após a promulgação da Constituição, o Xá Mussaffar Al Din faleceu e seu filho, Mohammed Ali assumiu, demonstrando desde o início do mandato total desprezo pelo Majlis. As disputas entre os monarquistas e os constitucionalistas tornaram-se frequentes gerando, por vezes, conflitos violentos. A frágil aliança entre clérigos e seculares se rompeu, enfraquecendo o movimento constitucionalista. As potências imperiais Grã-Bretanha e Rússia incentivavam o Xá a resistir contra o Majlis – inclusive por meio do envio de tropas -, a fim de garantir a manutenção de seus interesses no Irã.
Em 1907, Grã-Bretanha e Rússia assinaram um tratado que repartia o Irã entre as duas potências imperiais. Grã-Bretanha assumiu o controle das províncias do sul enquanto a Rússia administraria as províncias do norte. Uma faixa entre as duas zonas foi declarada neutra e poderia ser governada pelos iranianos, desde que não ameaçasse os interesses estrangeiros. O Irã sequer participara da negociação, apenas fora informado da divisão – garantida pela presença de tropas dos dois países. Com a revolução Bolchevique de 1917, o governo socialista renunciou à maior parte dos “direitos” russos sobre o país e cancelou seus débitos junto à Rússia czarista, deixando espaço para que a Grã-Bretanha expandisse plenamente seus interesses sobre o Irã. Nesse momento, a concessão de D´arcy já gerava muitos lucros à Grã-Bretanha por meio da recém-criada Anglo-Persian Oil Company – cuja maioria das ações pertencia ao governo britânico (51%). Nas palavras de Winston Churchill “uma recompensa da terra encantada muito além dos nossos sonhos mais desvairados”.
O interesse britânico levou à pressão sobre o novo Xá Ahmad, filho de Mohammed Ali, para a assinatura, em 1919, do Acordo Anglo-Persa que concedia aos britânicos o controle do exército iraniano, do tesouro, do sistema de transportes e da rede de comunicações do país. Os britânicos impuseram a lei marcial e passaram a governar o Irã por decreto. Lorde Curzon, Ministro do Exterior da Grã-Bretanha e um dos principais arquitetos desse acordo, justificou-o pela “posição geográfica do Irã”, pelo receio acerca da possível “influência bolchevique” e pelos “imensos ativos na forma de campos de petróleo, imprescindíveis à marinha britânica”.
O Acordo Anglo-Persa devastou o que restava da soberania iraniana, mas também fomentou o sentimento nacionalista inspirado em movimentos anticolonialistas que eclodiam em outras partes, inclusive, contra o império britânico. Tropas soviéticas desembarcaram no litoral do Mar Cáspio e declararam o território circundante uma República Socialista Soviética Iraniana. Iranianos do norte criaram o primeiro partido comunista do país. As condições de vida de grande parte dos iranianos se deterioravam cada vez mais e grupos separatistas ganhavam impulso em diferentes províncias. O país estava à beira do caos. É nesse contexto que a figura do militar da Brigada Cossaca, Reza Khan, vai ganhando proeminência.
Embora a Brigada Cossaca tenha sido criada pelo czar russo para servir como guarda privada dos interesses estrangeiros, os britânicos viam nesse oficial da única unidade militar moderna do Irã uma possibilidade de liderança forte frente à incapacidade da dinastia Qajar de manter os súditos sob controle. Para expulsar os oficiais russos e assumir o controle da brigada, os britânicos decidiram substituir, por meio de um golpe, o primeiro ministro do Xá pelo exaltado Sayyed Zia Tabatabai. Reza seria a força militar de que necessitaria o novo Primeiro Ministro. Em 21 de fevereiro de 1921, Reza Khan e seus soldados entraram em Teerã e prenderam o primeiro Ministro e os membros de seu gabinete, informando ao Xá Ahmad que Tabatabai deveria ser nomeado Primeiro Ministro e ele, Reza Khan, chefe da Brigada Cossaca. O golpe teve êxito, sem que praticamente houvesse qualquer resistência. Reza Khan controlou as fontes de insurgências tribais e, três meses após o golpe, exonerou Tabatabai e persuadiu o Xá a sair do país. Em pouco tempo, tornou-se Primeiro Ministro, chefe das Forças Armadas e, em 1926, foi proclamado Xá pelo Majlis – impulsionado pelo receio do possível retorno de Ahmad Qajar. A nova dinastia seria conhecida pelo nome Pahlavi.
Reza Pahlavi se inspirava substancialmente no líder Mustafa Kemal Ataturk e desejava executar no Irã as reformas modernizadoras e seculares que este líder implementava na Turquia. Realizou importantes obras públicas – rodovias, fábricas, hospitais, portos, edifícios governamentais e escolas para meninos e meninas. Criou o serviço público e o primeiro exército nacional, introduziu o sistema métrico, o casamento civil e o divórcio. Por outro lado, garantia seu poder a partir de uma postura extremamente violenta, autoritária e repressora. Houve um episódio em que Reza Pahlavi ordenou o assassinato de mais de 100 muçulmanos que protestavam, em uma mesquita, contra a proibição do uso do hijab pelas mulheres iranianas, outorgada por ele. Os jornais eram fortemente censurados, a organização sindical proibida e os membros da oposição assassinados, presos ou exilados.
Apesar de criticar publicamente os britânicos e a gritante assimetria que permeava o Acordo Anglo-Persa, o Xá Reza Pahlavi tinha plena consciência de quem eram os patrocinadores de sua ascensão ao poder. Mesmo assim, inicialmente, tomou medidas para conter o poderio estrangeiro. Não aceitou empréstimos, proibiu a venda de terras a não-iranianos, revogou a concessão que dava ao Imperial Bank Britânico o direito exclusivo de emitir moeda e, em 1928, tendo em vista a importância crucial das jazidas de petróleo iraniano para a vitória aliada na I Guerra Mundial, orientou seus ministros a renegociarem o Acordo Anglo-Persa de 1919, que relegava aos iranianos apenas 16% dos lucros gerados, além da não autorização da auditoria contábil da empresa. A disparidade entre as condições de vida dos diretores britânicos da empresa e dos trabalhadores iranianos era também fonte de grande insatisfação. Em Abadan – cidade que passou a abrigar mais de 100 mil pessoas a partir da instalação da refinaria – britânicos viviam em confortáveis residências enquanto os trabalhadores iranianos viviam em dormitórios coletivos, em condições precárias. A máxima representação da exclusão dos iranianos estava representada nos avisos distribuídos pelas fontes de água de Abadan, nos quais se lia: “vedada a iranianos”.
Em 1933, após ameaçar cancelar a concessão de D´arcy, o Xá chegou a um novo acordo com a Anglo-Persian – que, a pedido do Xá, passou a chamar-se Anglo-Iranian Oil Company. A área coberta pela concessão foi reduzida em três quartos, foi obtida a garantia de pagamento de pelo menos 975 mil libras anuais ao governo iraniano, e a companhia se comprometeu a melhorar as condições de trabalho em Abadan. O acordo – que acabaria em 1961 -, foi estendido por mais trinta e dois anos. Também na década de 1930, o Reza Pahlavi aproximou-se dos movimentos nazifascistas europeus. Apesar da declaração de neutralidade quando da eclosão da II Guerra Mundial, o Xá permitiu que agentes alemães operassem no Irã construindo redes de apoio entre chefes militares regionais. Receosos de que os nazistas estivessem planejando usar o Irã como plataforma para atacar a União Soviética pela fronteira sul – o que prejudicaria muito os esforços aliados -, Grã Bretanha e Rússia decidiram, em agosto de 1941 que os alemães deveriam ser deportados do Irã, que o país deveria cortar as relações diplomáticas com a Alemanha e as Forças Armadas de Grã-Bretanha e Rússia teriam livre trânsito em território iraniano. Tais exigências levaram o Xá Reza Pahlavi a abdicar do trono, em setembro de 1941. Com o aval britânico, o filho de Reza, Mohamed Reza Pahlavi, assume e indica, imediatamente, o primeiro ministro designado pela Grã-Bretanha, Mohamed Ali Furughi.
Em março de 1946, logo após o fim da II Guerra Mundial – durante a qual a produção de petróleo em Abadan subiu de 6,5 milhões de toneladas em 1941 para 16,5 toneladas em 1945 – os trabalhadores de Abadan iniciaram uma greve exigindo melhores condições de moradia, assistência médica e o respeito às leis trabalhistas iranianas. Milhares de trabalhadores de uniram às manifestações, convictos das condições inaceitáveis de iniquidade em Abadan. Manucher Farmanfarmaian, que em 1949 tornou-se diretor do Instituto Iraniano de Petróleo, descreveu as condições de vida na cidade: “(…) na parte britânica de Abadan havia gramados, jardins floridos, quadras de tênis piscinas e boates; em Kaghazabad nada havia – nem uma loja de chá, nem um banheiro, nem uma mísera árvore (…) os becos sem pavimentação eram depósitos de ratos (…) somente a modesta mesquita do bairro antigo, construída com tijolos de lama, oferecia um pouco de esperança em forma de redenção divina”.
A greve culminou em confrontos violentos e dezenas de mortos. A convulsão social impulsionou o Majlis a aprovar, no ano seguinte, uma lei que proibia a concessão futura de quaisquer atividades econômicas a empresas estrangeiras e ordenava o governo a renegociar os termos do acordo com a Anglo-Iranian Oil Company. A aprovação dessa lei foi coordenada pelo nacionalista Mohammed Mossadegh, que passara anos na obscuridade diante da perseguição política do Xá Reza e, em 1943, fora eleito para o Majlis como o deputado mais votado, com uma agenda pautada na democracia e autodeterminação do país.
A pressão das manifestações populares levou a Anglo-Iranian a apresentar um acordo complementar ao Acordo de 1933, no qual a companhia se comprometia com o pagamento da quantia mínima de quatro milhões de libras em royalties, a redução da área em que estava autorizada a perfurar e a formação de mão-de-obra iraniana qualificada. O direito a auditar os livros da empresa continuou negado. Diante da dificuldade de aprovação do acordo no Majlis, o Xá Mohamed Reza criou a câmara do Senado – para o qual indicaria metade dos membros – e elegeu um número considerável de monarquistas para o Majlis nas eleições de 1949, por meio de um sistema de suborno e fraudes que levaram à eclosão de protestos liderados por Mossadegh. Novas eleições foram convocadas e a oposição se organizou numa coalizão partidária denominada Frente Nacional. Em 20 de junho o Majlis aprovou a criação de um Comitê para estudar os termos do Acordo Complementar. Imediatamente, a Grã-Bretanha pressionou o Xá para que nomeasse um Primeiro Ministro considerado forte o suficiente para defender o Acordo – o general Ali Razmara.
Consciente das dificuldades de aceitação do Acordo Complementar pelo parlamento, Razmara tentou convencer os britânicos acerca da necessidade de “adoçar” os seus termos. Mossadegh, por outro lado, discursava vigorosamente em favor da soberania nacional, pontuando a situação de exploração de vidas iranianas em favor de interesses britânicos. A posição britânica inarredável acarretou a união de diferentes grupos sociais em prol da causa nacional – reformistas seculares, lideranças islâmicas (principalmente sob a liderança de Abolqasem Kashani; o jovem Rohollah Khomeini, que trinta anos mais tarde emergiria como líder supremo do país recusou-se a unir-se à coalizão por seu caráter secular) e até mesmo os comunistas do partido Tudeh, criado em 1942.
Em 25 de novembro, o Comitê votou por unanimidade a rejeição do Acordo complementar. Mossadegh chegou a sugerir a nacionalização da indústria de petróleo, mas a maioria dos parlamentares não ousou ir tão longe nesse momento. Em janeiro de 1951 foi organizado um comício em favor da nacionalização da Anglo-Iranian, em que nacionalistas seculares da Frente Nacional e islamistas seguidores do aiatolá Kashani discursaram para a multidão presente. Razmara continuou tentando dissuadir a Frente Nacional argumentando que a nacionalização seria uma apropriação ilegal da propriedade britânica e acarretaria graves retaliações que implicariam gravemente a economia iraniana. O Primeiro Ministro foi assassinado dois meses depois. Em 15 de março de 1951 o Majlis votou em favor nacionalização da Anglo-Iranian, assim como o Senado. Em 28 de abril, o Majlis votou pela indicação de Mossadegh ao cargo de Primeiro Ministro, aceito mediante a aprovação da lei de nacionalização que ele mesmo redigira e que criava a Companhia Nacional Iraniana de Petróleo.
No que concerne ao contexto internacional, os contornos da Guerra Fria estavam cada vez mais evidentes em âmbito mundial. Em 1949, a URSS testara com êxito a primeira arma nuclear. Em junho de 1950 os soldados comunistas cruzaram o paralelo 38 na Coreia. Letônia, Lituânia e Estônia já estavam sob poder soviético e governos comunistas ascenderam na Bulgária e Romênia em 1946, Hungria e Polônia em 1947 e Tchecoslováquia em 1948. Em 1949, a Revolução Comunista teve êxito na China e o bloco Ocidental fundou a OTAN. Nesse cenário, a crise entre Irã e Inglaterra em torno da nacionalização do petróleo era cada vez mais entendida como uma potencial extensão do conflito Leste-Oeste. A importância crucial do petróleo para a vitória aliada na guerra levara os EUA a observarem com atenção o Oriente Médio. EUA fecharam um acordo com a Arábia Saudita para exploração de petróleo na base de divisão dos lucros em 50% e incentivaram os britânicos a fazerem o mesmo. Cumpre apontar que neste momento, o Irã era o 4º maior exportador de petróleo do mundo, fornecendo 90% da demanda da Europa.
Em agosto de 1951, a Grã-Bretanha impôs uma série de sanções econômicas ao Irã. Proibiu a exportação de commodities britânicas essenciais como açúcar e aço, ordenou a retirada da maior parte dos britânicos da refinaria de Abadan e bloqueou o acesso do Irã a contas bancárias em bancos britânicos. A Grã-Bretanha sabia que o Irã não dispunha de mão-de-obra qualificada para operar a refinaria, tampouco navios petroleiros para exportar a produção. As sanções levariam ao estrangulamento da economia iraniana (o Irã vendeu 45 milhões de dólares em petróleo no ano de 1950, mais de 70% do total de suas exportações, esta soma caiu pela metade em 1951 e depois para quase zero em 1952). No entanto, conforme observou Dean Acheson, então Secretário de Estado de Truman: “não resta dúvida de que os iranianos estão dispostos a sacrificar receitas do petróleo para se verem livres do que consideram práticas coloniais britânicas”.
Às sanções britânicas, somou-se a campanha que dissuadia outros países a comercializarem com o Irã. A Anglo-Iranian publicou anúncios em diversas mídias informando que tomaria as medidas necessárias contra qualquer país que comprasse petróleo iraniano, alegando que este era propriedade legal britânica. Sob o mesmo discurso, a Grã-Bretanha decidiu levar o caso ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, apesar das críticas proferidas pelo embaixador americano Henry Grady que alertou acerca da possibilidade da situação tornar-se um “grande fórum para expor ao mundo a opressão de sua companhia sobre o povo iraniano e mostrar que o capitalismo ocidental tende a controlar e talvez até destruir os países do mundo subdesenvolvidos”. Alertou, ainda, para um possível veto da URSS que seria interpretado como uma proteção aos países pobres, além do possível congelamento da situação. Apesar de argumentar que a questão não poderia ser julgada no âmbito da ONU – tendo em vista que o Acordo não era entre dois Estados, mas entre o Irã e uma empresa privada -, Mossadegh aproveitou a oportunidade para denunciar as práticas imperialistas britânicas.
Em 15 de outubro de 1951, Mossadegh discursou no Conselho de Segurança da ONU, em Nova Iorque, em sessão presidida pelo diplomata brasileiro João Carlos Muniz. Em um discurso emocionado – qualidade que lhe era característica – Mossadegh denunciou a espoliação britânica informando que, no ano de 1948, a receita líquida da antiga Anglo-Iranian fora de 61 milhões de libras (apesar do valor não poder ser conferido, uma vez que os iranianos não tinham acesso aos livros contábeis) dos quais o Irã recebera apenas nove milhões. O Primeiro Ministro iraniano indicou, ainda, que o valor de 28 milhões entrou no Reino Unido apenas em forma de imposto de renda. Deu sequência ao discurso denunciando as condições de vida dos trabalhadores iranianos: “(…) a população que vive na região petrolífera do sul do Irã e ao redor de Abadan, onde está instalada a maior refinaria de petróleo do mundo, vive em condições de absoluta miséria, sem ter como satisfazer sequer suas necessidades humanas básicas (…) se a exploração da nossa indústria petroleira continuar no futuro como foi no passado, se tolerarmos uma situação em que os iranianos não são mais do que trabalhadores braçais nos campos de petróleo de Masjid-I-Suleiman, Agha Jari e Kermanshah e na refinaria de Abadan, e se exploradores estrangeiros continuarem a se apropriar de praticamente toda a receita gerada, nosso povo permanecerá então para sempre neste estado de pobreza e miséria”. Em 19 de outubro o Conselho decidiu por adiar o debate da questão para outra data. Uma derrota diplomática para os britânicos, Kinzer pontua.
Em 1952 Mossadegh renunciou ao cargo a fim de pressionar o Xá no que concerne ao controle das Forças Armadas do país. O novo Primeiro Ministro Ahmad Qavam foi recebido com uma onda de protestos que exigiam a volta de Mossadegh. O nacionalista retoma seu posto com amplo apoio popular após conflitos violentos entre os manifestantes e as forças policiais. Sobre o levante de 1952, o encarregado de negócios britânico George Middleton escreveu para Londres um telegrama no qual fazia observações acerca da importância da manipulação das massas e da fragilidade da lealdade das Forças Armadas a Mossadegh, apontando, inclusive, um nome para a possível liderança de um levante: o general Fazllollah Zahedi. A combinação sugerida por Middleton foi a base do golpe articulado, inicialmente, pelos britânicos e concluído pelos americanos no ano seguinte.
As eleições britânica e norte-americana do início da década de 1950 também foram fundamentais para a definição do curso das ações destes países no Irã. Na Grã-Bretanha o retorno do conservador Winston Churchill e nos EUA a eleição do republicano Dwight Eisenhower viabilizaram os anseios intervencionistas. Anthony Eden, o secretário do exterior de Churchill e tão defensor do sistema colonial quanto seu superior, articulou a primeira tentativa de golpe, cooptando o general Zahedi para incitar uma insurreição. Ao tomar conhecimento acerca dos encontros entre Zahedi e agentes britânicos, em outubro de 1952, Mossadegh rompeu relações diplomáticas com a Grã-Bretanha e expulsou todos os cidadãos do país.
Com a expulsão dos britânicos, a articulação do golpe passou a depender da ação dos agentes americanos, com auxílio da rede de agentes iranianos articulada, por anos a fio, pelos britânicos. Nesse momento, Eisenhower já estava convencido de que um acordo com Mossadegh era impossível. O embaixador Grandy fora substituído por Loy Henderson de orientação profundamente anticomunista e os irmãos Dulles assumiram os cargos de Secretário de Estado e diretor da CIA, fomentando o envolvimento direto dos EUA no Irã, sob a certeza de que agiam a fim de evitar um eminente levante comunista. Formava-se, nesse momento, o plano de deposição de Mossadegh, ou, na nomenclatura da CIA, a Operação Ajax.
Sob a responsabilidade direta de Kermit Rooselvelt – agente da CIA e neto do presidente Theodore Rooselvelt – iniciou-se uma campanha de difamação de Mossadegh. Os EUA passaram a financiar diversos meios de comunicação iranianos para que divulgassem notícias falsas acerca da figura e do governo de Mossadegh. Concomitantemente, subordinavam líderes de gangues para que disseminassem a violência saqueando lojas, depredando o patrimônio público e atacando mesquitas enquanto gritavam palavras de ordem comunistas e em apoio a Mossadegh. Roosevelt convenceu o Xá Mohamed Reza a assinar um documento – firman – destituindo Mossadegh do cargo e nomeando o general Zahedi como primeiro ministro. Tal medida foi fundamental para cooptação das Forças Armadas, uma vez que imprimiu um ar de legitimidade ao golpe. Em apoio, o adido da embaixada americana, Robert McClure, visitou guarnições militares oferecendo dinheiro aos oficiais para apoiarem o golpe.
Muitos partidários de Mossadegh e da Frente Nacional uniram-se aos manifestantes fabricados, uma vez que não tinham ciência da natureza deste movimento. Mossadegh, inicialmente, não reprimiu as manifestações por acreditar na legitimidade das reivindicações populares. Com o aumento da violência, Mossadegh pediu à sua base que deixasse as ruas e autorizou a repressão por parte das Forças Armadas. A partir de então, só restaram nas ruas os movimentos articulados contra o Primeiro Ministro que ganharam espaço diante da postura vendida de grande parte do exército ou mesmo das alas leais ao Xá e ao general Zahedi. Ao final do quarto dia, a casa de Mossadegh foi cercada e, diante da impossibilidade de resistência, Mossadegh entregou-se dias depois. Foi condenado a três anos de pena a serem cumpridos em regime fechado e posterior prisão domiciliar perpétua.
A Companhia Nacional iraniana de Petróleo foi dividida em um consórcio que relegou 40% das ações à Anglo-Iranian (agora sob o nome de British Petroleum), 40% às companhias americanas de petróleo e o restante foi distribuído entre a Royal Dutch (Shell) e a Compagnie Française de Pétroles (CFP). Manteve-se o nome iraniano, apenas de fachada. O consórcio concordou em dividir os lucros com o Irã na base dos 50%, mas não em abrir seus livros contábeis aos iranianos, tampouco em aceitar iranianos no Conselho Diretor.
Mohammed Reza adotou uma postura cada vez mais autoritária e investiu as receitas crescentes oriundas da crise do petróleo no fortalecimento do exército. No final da década de 1970 eclodiram novos protestos no Irã e o Xá foi pressionado a aceitar a nomeação do Primeiro Ministro Shapour Bakhtiar que fora Ministro do Trabalho de Mossadegh e um verdadeiro admirador de sua obra. A convulsão social deu impulso a proeminência de outra figura que se tornara o principal opositor ao Xá – o aiatolá Ruhollah Khomeini, líder da Revolução Islâmica de 1979, que mudaria, definitivamente, os rumos da política iraniana e as relações do país com o Ocidente, sobretudo, com os EUA.
Diferente de Madeleine Abrigth, o atual governo americano é incapaz de reconhecer seus erros e, muito menos, se desculpar das atrocidades que estão cometendo. Lastimável… Sem perspectiva de um fim neste conflito no Oriente Médio
Apenas uma observação: na primeira foto quem aparece ao lado do Xá não é Farah Diba e sim Soraya, a “princesa dos olhos tristes”, antecessora de Farah Diba no leito real e nas rodas do jet-set internacional. Soraya perdeu o posto porque não deu um filho homem ao déspota. Ganhou uma bela fortuna no divórcio e saiu pelo mundo gastando o dinheiro do povo iraniano.