Manifesto da Independência, dom Pedro I

D. Pedro I - pintura de Pedro Manoel pintor oficial da corte

Escrito por José Bonifácio, o manifesto de Dom Pedro I intitulado “Sobre as relações políticas e comerciais com os governos e nações amigas” fundamentou a Independência do Brasil proclamada em 7 de setembro:

Desejando Eu, e os Povos, que Me reconhecem como Seu Príncipe Regente, Conservar as relações politicas, e comerciais com os Governos, e Nações Amigas deste Reino, e continuar a merecer-lhes a aprovação e estimação, de que se fez credor o caráter Brasileiro; Cumpre-Me expor-lhe sucinta, mas verdadeiramente a série dos factos emotivos, que Me têm obrigado a anuir à vontade geral do Brasil, que proclama à face do Universo a sua Independência politica; e quer como Reino Irmão, e como Nação grande e poderosa, conservar ilesos e formes seus imprescritíveis direitos, contra os quais Portugal sempre atentou, e agora mais que nunca, depois da decantada Regeneração politica da Monarquia pelas Cortes de Lisboa.

Quando por um acaso se apresentara pela vez primeira esta rica e vasta região Brasílica aos olhos do venturoso Cabral, logo a avareza e o proselitismo religioso, móveis dos descobrimentos e Colônias modernas, se apoderaram dela por meio de conquista; e leis de sangue, ditadas por paixões, e sórdidos interesses, firmaram a tirania Portuguesa. O Indígena bravio, e o Colono Europeu foram obrigados a trilhar a mesma estrada da miséria e escravidão. Se cavavam o seio de seus montes para deles extraírem o ouro, leis absurdas, e o Quinto vieram logo esmorecer em seus trabalhos apenas encetados: ao mesmo tempo que o Estado Português com sôfrega ambição devorava os tesouros, que a benigna Natureza lhes ofertava, fazia também vergar as desgraçadas Minas sob o peso do mais odioso dos tributos, da Capitação. Queriam que os Brasileiros pagassem até o ar que respiravam, e a terra que pisavam. Se a indústria de alguns homens mais cativos tentava dar nova forma aos produtos do seu solo, para com eles cobrir a nudez de seus filhos, leis tirânicas o empediam, e castigavam estas nobres tentativas. Sempre quiseram os Europeus conservar este rico Pais na mais dura e triste dependência da Metrópole; porque julgavam ser-lhes necessário estancar, ou pelo menos empobrecer a fonte perene de suas riquezas. Se a atividade de algum Colono oferecia a seus Concidadãos, de quando em quando, algum novo ramo de riqueza rural, naturalizando vegetais exóticos, úteis, e preciosos, impostos onerosos vinham logo dar cabo de tão felizes começos. Se homens empreendedores ousavam mudar o curso de caudalosos ribeirões, para arrancarem de seus álveos os diamantes, eram logo impedidos pelos agentes cruéis do monopólio, e punidos por leis inexoráveis. Se o supérfluo de suas produções convidava e reclamava a troca de outras produções, estranhas, privado o Brasil do mercado geral das Nações, e por conseguinte da sua concorrência, que encareceria as compras, e abarataria as vendas, nenhum outro recurso lhe restava senão mandá-las aos portos da Metrópole, e estimular assim cada vez mais a sórdida cobiça e prepotência de seus tiranos. Se finalmente o Brasileiro, a quem a provida Natureza deu talentos não vulgares, anelava instruir-se nas Ciências e nas Artes para melhor conhecer os seus direitos, ou saber aproveitar as preciosidades naturais com que a Providencia dotara o seu pais, mister lhe era mendigar a Portugal, que pouco as possuía, e de onde muitas vezes lhe não era permitido regressar.

Tal foi a sorte do Brasil por quase três séculos; tal a mesquinha politica, que Portugal, sempre acanhado em suas vistas, sempre faminto e tirânico, imaginou para cimentar o seu domínio, e manter o seu factício esplendor. Colonos e indígenas, conquistados e conquistadores, seus filhos e os filhos de seus filhos, tudo foi confundido, tudo ficou sujeito a um anátema geral. E porquanto a ambição do poder, e a sede de ouro são sempre insaciáveis e sem freio, não se esqueceu Portugal de mandar continuamente Bachás desapiedados, magistrados corruptos, e enxames de agentes fiscais de toda a espécie, que no delírio de suas paixões e avareza despedaçavam os laços da moral assim pública como domestica, devoravam os mesquinhos restos dos suores e fadigas dos habitantes, e dilaceravam as entranhas do Brasil, que os sustentava e enriquecia, para que reduzidos à ultima desesperação seus povos, quais submissos Muçulmanos, fossem em romarias à nova Meca comprar com ricos dons e oferendas uma vida, bem que obscura e lânguida, ao menos mais suportável e folgada. Se o Brasil resistiu a esta torrente de males, se medrou no meio de tão vil opressão, deveu-o a seus filhos fortes e animosos, que a Natureza tinha talhado para gigantes, deveu-o aos benefícios dessa boa mãe, que lhes dava forças sempre renascentes para zombarem dos obstáculos físicos e morais, que seus ingratos pais e irmãos opunham acintemente ao seu crescimento e prosperidade.

Porém o Brasil, ainda que ulcerado com a lembrança de seus passados infortúnios, sendo naturalmente bom e honrado, não deixou de receber com inexplicável jubilo a Augusta Pessoa do Senhor D. João VI, e a toda a Real Família. Fez ainda mais: acolheu com braços hospedeiros a Nobreza e Povo que emigrara, acossados pela invasão do Déspota da Europa – Tomou contente sobre seus ombros o peso do Trono de Meu Augusto Pai – Conservou com esplendor o Diadema que Lhe cingia a Fronte. – Supriu com generosidade e profusão as despesas de uma nova Corte desregrada – e, o que mais é, em grandíssima distancia, sem interesse algum seu particular, mas só pelos simples laços da fraternidade, contribuiu também para as despesas da guerra, que Portugal tão gloriosamente tentara contra os seus invasores? E que ganhou o Brasil em paga de tantos sacrifícios? A continuação dos velhos abusos, e o acréscimo de novos, introduzidos, parte pela imperícia, e parte pela imoralidade e pelo crime. Tais desgraças clamavam altamente por uma pronta reforma de Governo, para o qual o habilitavam o acréscimo de luzes, e os seus inauferíveis direitos, como homens que formavam a porção maior e mais rica da Nação Portuguesa, favorecidos pela Natureza na sua posição geográfica e central no meio do Globo – nos seus vastos portos e enseadas – e nas riquezas naturais do seu solo; porém sentimentos de lealdade excessiva, e um extremado amor para com seus irmãos de Portugal, embargaram seus queixumes, sopearam sua vontade, e fizeram ceder esta palma gloriosa a seus pais e irmãos da Europa.

Quando em Portugal se levantou o grito da Regeneração Politica da Monarquia, confiados os Povos do Brasil na inviolabilidade dos seus direitos, e incapazes de julgar aqueles seus irmãos diferentes em sentimentos e generosidade, abandonaram a estes ingratos a defesa de seus mais sagrados interesses, e o cuidado da sua completa reconstituição; e na melhor fé do mundo adormeceram tranquilos à borda do mais terrível precipício. Confiando tudo da sabedoria e justiça do Congresso Lisbonense, esperava o Brasil receber dele tudo o que lhe pertencia por direito. Quão longe estava então de presumir que este mesmo Congresso fosse capaz de tão vilmente atraiçoar suas esperanças e interesses; interesses que estão estreitamente enlaçados com os gerais da Nação!

Agora já conhece o Brasil o erro em que caíra; e se os Brasileiros não fossem dotados daquele generoso entusiasmo, que tantas vezes confunde fósforos passageiros com a verdadeira luz da razão, veriam desde o primeiro Manifesto que Portugal dirigira aos Povos da Europa, que um dos fins ocultos da sua apregoada Regeneração consistia em restabelecer astutamente o velho sistema Colonial, sem o qual creu sempre Portugal, e ainda hoje o crê, que não pode existir rico e poderoso. Não previu o Brasil que seus Deputados, tendo de passar a um Pais estranho e arredado – tendo de lutar contra preocupações e caprichos inveterados da Metrópole – faltos de todo o apoio pronto de amigos e parentes, de certo haviam de cair na nulidade em que ora vemos; mas foi-lhe necessário passar pelas duras lições da experiencia para reconhecer a ilusão das suas erradas esperanças.

Mas merecem desculpa os Brasileiros, porque, almas cândidas e generosas muita dificuldade teriam de capacitar-se que a gabada Regeneração da Monarquia houvesse de começar pelo restabelecimento do odioso sistema Colonial. Era mui difícil, e quase incrível, conciliar este plano absurdo e tirânico com as luzes e liberalismo que altamente apregoava o Congresso Português! E ainda mais incrível era que houvesse homens tão atrevidos, e insensatos que houvesse, como depois Direi, atribuir à vontade e Ordens de Meu Augusto Pai El Rei o Senhor D. João VI, a quem o Brasil deveu a sua Categoria de Reino, querer derribar de um golpe o mais belo Padrão que o ha de eternizar na Historia do Universo. É incrível por certo tão grande alucinação; porém falam os fatos, e contra a verdade manifesta não pode haver sofismas.

Enquanto Meu Augusto Pai não abandonou, arrastado por ocultas e pérfidas manobras, as praias do Janeiro para ir desgraçadamente habitar de novo as do velho Tejo, afetava o Congresso de Lisboa sentimentos de fraternal igualdade para com o Brasil, e princípios luminosos de reciproca justiça; declarando formalmente no art. 21 das Bases da Constituição, que a Lei fundamental, que se ia organizar e promulgar, só teria aplicação a este reino, se os Deputados dele, depois de reunidos, declarassem ser esta a vontade dos Povos que representavam: Mas qual foi o espanto desses mesmos Povos, quando viram, em contradição áquele artigo, e com desprezo de seus inalienáveis direitos, uma fracção do Congresso geral decidir dos seus mais caros interesses! Quando viram legislar o partido dominante daquele Congresso incompleto e imperfeito, sobre objetos de transcendente importância, e privativa competência do Brasil, sem a audiência sequer de dois terços dos seus Representantes!

Esse partido dominador, que ainda hoje insulta sem pejo as luzes, e probidade dos homens sensatos e probos que nas Cortes existem, tenta todos os meios infernais e tenebrosos da Politica para continuar a enganar o crédulo Brasil com aparente fraternidade, que nunca morara em seus corações; e aproveita astutamente os desvarios da Junta Governativa da Bahia (que ocultamente promovera) para despedaçar o sagrado nó que ligava todas as Províncias do Brasil à Minha Legitima e Paternal Regência? Como ousou reconhecer o Congresso naquela Junta facciosa, legitima autoridade para cortar os vínculos políticos da sua Província, e apartar-se do centro do sistema a que estava ligada, e isto ainda depois do Juramento de Meu Augusto Pai à Constituição prometida a toda Monarquia? Com que direito pois sancionou esse Congresso, cuja representação Nacional então só se limitava à de Portugal, atos tão ilegais, criminosos, e das mais funestas consequências para todo o Reino Unido? E quais foram as utilidades que daí vieram à Bahia? O vão e ridículo nome da Província de Portugal; e o peio é, os males da guerra civil e da anarquia em que hoje se acha submergida por culpa do seu primeiro Governo, vendido aos Demagogos Lisbonenses, e de alguns outros homens deslumbrados com ideias anárquicas e republicanas. Porventura ser a Bahia Província do pobre e acanhado Reino de Portugal, quando assim pudesse conservar-se, era mais do que ser uma das primeiras do vasto e grandioso Império do Brasil? Mas eram outras as vistas do Congresso. O Brasil não devia mais ser Reino; devia descer do trono da sua categoria; despojar-se do manto Real de Sua Majestade; depor a Coroa e o Cetro, e retroceder na Ordem política do Universo, para receber novos ferros, e humilhar-se como escravo perante Portugal.

Não paremos aqui – examinemos a marcha progressiva do Congresso. Autorizam e estabelecem Governos Provinciais anárquicos, e independentes uns dos outros, mas sujeitos a Portugal. Rompem a responsabilidade e harmonia mutua entre os Poderes Civil, Militar e Financeiro, sem deixarem aos Povos outro recurso a seus males inevitáveis senão através do vasto Oceano – recurso inútil e ludibrioso. Bem via o Congresso que despedaçava a arquitetura majestosa do Império Brasileiro; que ia separar e pôr em contínua luta suas partes; aniquilar suas forças, e até converter as Províncias em outras tantas Republicas inimigas. Mas pouco lhe importavam as desgraças do Brasil; bastava-lhe pôr então proveitos momentâneos; e nada se lhe dava de cortar a árvore pela raiz, com tanto que, à semelhança dos Selvagens da Luisiana, colhesse logo seus frutos, sequer uma vez somente.

As representações e esforços da Junta Governativa, e dos Deputados de Pernambuco para se verem livres das baionetas Europeias, às quais aquela Província devia as tristes dissensões intestinas que a dilaceravam, foram baldadas. Então o Brasil começou a rasgar o denso véu que cobria seus olhos, e foi conhecendo o para que se destinavam essas Tropas; examinou as causas do mau acolhimento que recebiam as propostas dos poucos Deputados que já tinha em Portugal, e foi perdendo cada vez mais a esperança de melhoramento, e reforma nas deliberações do Congresso; pois via que não valia a justiça de seus direitos, nem as vozes e patriotismo de seus Deputados.

Ainda não é tudo – Bem conheciam as Cortes de Lisboa que o Brasil estava esmagado pela imensa divida do Tesouro ao seu banco Nacional, e que se este viesse a falir, de certo inumeráveis famílias ficariam arruinadas, ou reduzidas a total indigência. Este objeto era da maior urgência; todavia nunca o crédito deste Banco lhe deveu a menor atenção; antes parece que se empenhavam com todo o esmero em dar-lhe o ultimo golpe, tirando ao Brasil as sobras das rendas Provinciais, que deviam entrar no seu Tesouro Público e Central; e até esbulharam o Banco da administração dos Contratos que El Rei Meu Augusto Pai lhe havia Concedido, para amortização da divida sagrada.

Chegam enfim ao Brasil os fatais Decretos da Minha retirada para a Europa, e da extinção total dos Tribunais do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo que ficavam subsistindo os de Portugal. Desvaneceram-se então em um momento todas as esperanças, até mesmo de conservar uma Delegação do Poder Executivo, que fosse o centro comum de União e de força entre todas as Províncias deste vastíssimo Pais, pois que sem este centro comum que dê regularidade e impulso a todos os movimentos da sua Máquina Social, debalde a natureza teria feito tudo o que dela profusamente dependia, para o rápido desenvolvimento das suas forças e futura prosperidade. Um Governo forte e Constitucional era só quem podia desempeçar o caminho para o aumento da civilização e riqueza progressiva do Brasil; quem podia defendê-lo de seus inimigos externos, e coibir as facções internas de homens ambiciosos e malvados, que custassem atentar contra a Liberdade e propriedade individual, e contra o sossego e segurança publica do Estado em geral, e de cada uma das suas Províncias em particular. Sem este centro comum, torno a dizer, todas as relações de amizade e comércio mútuo entre este Reino com o de Portugal e Países Estrangeiros, teriam mil colisões e embates; e em vez de se aumentar a nossa riqueza debaixo de um sistema sólido e adequado de economia pública, a veríamos pelo contrário entorpecer, definhar e acabar talvez de todo. Em este centro de força e de união, finalmente, não poderiam os Brasileiros conservar as suas fronteiras e limites naturais, e perderiam, como agora maquina o Congresso, tudo o que ganharam à custa de tanto sangue e cabedais; e o que é pior, com menoscabo da honra e brio Nacional, e dos seus grandes e legítimos interesses políticos e comerciais. Mas felizmente para nós a justiça ultrajada e a sã politica levantaram um brado universal, e ficou suspensa a execução de tão maléficos Decretos.

Ressentiram-se de novo os Povos desse Reino, vendo o desprezo com que foram tratados os Cidadãos beneméritos do Brasil, pois na numerosa lista de Diplomáticos, Ministros de Estado, Conselheiros Governadores militares, não apareceu o nome de um só Brasileiro. Os fins sinistros por que se nomearam esses novos Bachás com o titulo doirado de Governadores d’Armas estão hoje manifestos: basta atender ao comportamento uniforme que hão tido em nossas Províncias opondo-se à dignidade e liberdade do Brasil – e basta ver a consideração com que as Cortes ouvem seus ofícios, e a ingerência que tomam em materiais civis e politicas, muito alheias de qualquer mando militar. A condescendência com que as Cortes receberam as felicitações da Tropa fratricida expulsa de Pernambuco; e ha pouco as aprovações dadas pelo partido dominante do Congresso aos revoltosos procedimentos do General Avilez, que, para cumulo de males e sofrimentos, até deu causa à prematura morte de Meu Querido Filho o Príncipe D. João; o pouco caso e escárnio, com que foram ultimamente ouvidas as sanguinosas cenas da Bahia, perpetradas pelo infame Madeira, a quem vão reforçar com novas Tropas, apesar dos protestos dos Deputados do Brasil; tudo isto evidencia, que depois de subjugada a liberdade das Províncias, sufocados os gritos de suas justas reclamações; denunciados como anticonstitucionais o patriotismo e honra dos Cidadãos, só o patriotismo e honra dos Cidadãos, só pretendem esses desorganizadores estabelecer debaixo das palavras enganosas de união e fraternidade, um completo despotismo militar, com que esperam esmagar-nos.

Nenhum Governo justo, nenhuma Nação civilizada deixará de compreender, que privado o Brasil de um Poder Executivo – que extintos os Tribunais necessários – e obrigado a ir mendigar a Portugal através de delongas e perigos as graças e a justiça – que chamadas a Lisboa as sobras das rendas das suas Províncias – que aniquilada a sua Categoria de Reino – e que dominado este pelas baionetas que de Portugal mandassem – só restava ao Brasil ser riscado para sempre do número das Nações e Povos livres, ficando outra vez reduzido ao antigo estado Colonial, e de comércio exclusivo. Mas não convinha ao Congresso patentear à face do Mundo civilizado seus ocultos e abomináveis projetos; procurou portanto rebuçá-los de novo, nomeando comissões encarregadas de tratar dos Negócios Políticos, e Mercantis deste Reino. Os pareceres destas Comissões correm pelo Universo, e mostram terminantemente todo o maquiavelismo e hipocrisia das Cortes de Lisboa, que só podem iludir a homens ignorantes, e dar novas armas aos inimigos solapados que vivem entre nós. Dizem agora esses falsos e maus Políticos, que o Congresso deseja ser instruído dos votos do Brasil, e que sempre quis acertar em suas deliberações; se isto é verdade, por que ainda agora rejeitam as Cortes de Lisboa tudo quanto propõem os poucos Deputados que lá temos?

Essa Comissão Especial encarregada dos Negócios Políticos deste Reino já lá tinha em seu poder as Representações de muitas das nossas Províncias, e Câmaras, em que pediam a derrogação do Decreto sobre a organização dos Governos Provinciais, e a Minha Conservação neste Reino como Príncipe Regente. Que fez porém a Comissão? A nada disso atendeu, e apenas propôs a Minha Estada temporária no Rio de Janeiro sem entrar nas atribuições que Me deviam pertencer, como Delegado do Poder para se evitar a desmembração de Brasil em partes isoladas e rivais. Que fez a Comissão? Foi tão maqiavélica que propôs se concedesse ao Brasil dois ou mais centros, e até que se correspondessem diretamente com Portugal as Províncias que assim o desejassem.

Muitas e muitas vezes levantaram seus brados a favor do Brasil os nossos Deputados; mas suas vozes expiram sufocadas pelos insultos da gentalha assalariada das galerias. A todas as suas reclamações responderam sempre que eram ou contra os artigos já decretados da Constituição, ou contra o Regulamento interior das Cortes, ou que não podiam derrogar o que já estava decidido, ou finalmente respondiam orgulhosos – aqui não ha Deputados de Províncias, todos são Deputados da Nação, e só deve valer a pluralidade – falso e inaudito principio de Direito Público, porém muito útil aos dominadores, porque, escudados pela maioria dos votos Europeus, tornavam nulos os dos Brasileiros, podendo assim escravizar o Brasil a seu sabor. Foi presente ao Congresso a Carta que Me dirigiu o Governo de S. Paulo, e logo depois o voto unânime da Deputação, que Me foi enviada pelo Governo, Câmara, e Clero da sua Capital. Tudo foi baldado. A Junta daquele Governo foi insultada, taxada de rebelde, e digna de ser criminalmente processada. Enfim, pelo órgão da Imprensa livre os Escritores Brasileiros manifestaram ao Mundo as injustiças e erros do Congresso; e em paga da sua lealdade e patriotismo foram invectivados de venais, e só inspirados pelo gênio do mal, no maquiavélico Parecer da Comissão.

À vista de tudo isto, já não é mais possível que o Brasil lance um véu de eterno esquecimento sobre tantos insultos e atrocidades; nem é igualmente possível que ele possa jamais ter confiança nas Cortes de Lisboa, vendo-se a cada passo ludibriado, já dilacerado por uma guerra civil começada por essa iníqua gente, e até ameaçado com as cenas horrorosas de Haiti, que nossos furiosos inimigos muito desejam reviver.

Porventura não é também um começo real de hostilidades proibir aquele Governo que as Nações Estrangeiras, com quem livremente comerciávamos, não importem petrechos militares e navais? – Deveremos igualmente sofrer que Portugal ofereça ceder à França uma parte da Província do Pará, se aquela Potência lhe quiser subministrar Tropas e Navios com que possa melhor algemar nossos pulsos, e sufocar nossa justiça? Poderão esquecer-se os briosos Brasileiros de que iguais propostas, e para e para o mesmo fim, foram feitas à Inglaterra, com o oferecimento de se perpetuar o Tratado de Comércio de 1810, e ainda com maiores vantagens? A quanto chega a má vontade e impolítica dessas Cortes!!

Demais, o Congresso de Lisboa, não poupando a menor tentativa de oprimir-nos e escravizar-nos, tem espalhado uma Corte de Emissários ocultos, que empregam todos os recursos da astucia e da perfídia para desorientarem o espirito público, perturbarem a boa ordem, e fomentarem a desunião a anarquia no Brasil. Certificados do justo rancor que têm estes Povos ao Despotismo, não cessam estes pérfidos Emissários, para perverterem a opinião pública, de envenenar as ações mais justas e puras de Meu Governo, ousando temerariamente imputar-Me desejos de separar inteiramente o Brasil de Portugal, e de reviver a antiga arbitrariedade. Debalde tentam porém desunir os habitantes deste Reino; os honrados Europeus nossos Conterrâneos não serão ingratos ao país que os adotou por filhos, e os tem honrado e enriquecido.

Ainda não contentes os facciosos das Cortes com toda esta série de perfídias e atrocidades, ousam insinuar que grande parte destas medidas desastrosas são emanações do Poder Executivo; como se o Caráter d’El Rei, do Benfeitor do Brasil, fosse capaz de tão maquiavélica perfídia – como se o Brasil e o Mundo inteiro não conhecessem que o Senhor D. João VI, Meu Augusto Pai está realmente Prisioneiro de Estado, debaixo de completa coação, e sem vontade livre como a deveria ter um verdadeiro Monarca, que gozasse daquelas atribuições, que qualquer Legitima Constituição, por mais estreita e suspeitosa que seja, lhe não deve denegar: sabe toda a Europa, e o Mundo inteiro, que dos Seus Ministros, uns se acham nas mesmas circunstâncias, e outros são criaturas e partidistas da facção dominadora.

Sem dúvida as provocações e injustiças do Congresso para com o Brasil são filhas de partidos contrários entre si, mas ligados contra nós: querem uns forçar o Brasil a se separar de Portugal, para melhor darem ali garrote ao sistema Constitucional; outros querem o mesmo, porque desejam unir-se à Espanha: por isso não admira em Portugal escrever-se e assoalhar-se descaradamente que aquele Reino utiliza com a perda do Brasil.

Cegas pois de orgulho, ou arrastadas pela vingança e egoísmo, decidiram as Cortes com dous rasgos de pena uma questão da maior importância para a Grande Família Lusitana, estabelecendo, sem consultar a vontade geral dos Portugueses de ambos os Hemisférios, o assento da Monarquia em Portugal, como se essa mínima parte do território Português, a sua povoação estacionária e acanhada devesse ser o centro politico e comercial da Nação inteira. Com efeito se convém a Estados espalhados, mas reunidos debaixo de um só Chefe, que o principio vital de seus movimentos e energia exista na parte mais central e poderosa da grande Máquina Social, para que o impulso se comunique a toda a periferia com a maior presteza e vigor, de certo o Brasil tinha o incontrastável direito de Ter dentro de si o assento do Poder Executivo. Com efeito, este rico e vasto Pais, cujas alongadas Costas se estendem desde dous graus além do Equador até o Rio da Prata, e são banhadas pelo Atlântico, fica quase no centro do Globo à borda do grande Canal por onde se faz o Comercio das Nações, que é o liame que une as quatro partes do Mundo. À esquerda tem o Brasil a Europa e a parte mais considerável da América, em frente a África, à direita o resto da América, em frente a África, à direita o resto da América e a Ásia, com o imenso arquipélago da Austrália, e nas Costas o Mar Pacifico ou o Máximo Oceano, com o Estreito de Magalhães, e o Cabo de Horn quase à porta.

Quem ignora igualmente que é quase impossível dar nova força e energia a Povos envelhecidos e defecados? Quem ignora hoje que os belos dias de Portugal estão passados, e que só do Brasil pode esta pequena porção da Monarquia esperar seguro arrimo, e novas forças para adquirir outra vez a sua virilidade antiga! Mas de certo não poderá o Brasil prestar-lhe estes socorros se alcançarem esses insensatos decepar-lhe as forças, desuni-lo, e arruiná-lo.

Em tamanha e tão sistemática serie de desatinos e atrocidades, qual deveria ser o comportamento do Brasil? Deveria supor acaso as Cortes de Lisboa ignorantes de nossos direitos e conveniências? Não por certo: porque ali há homens, ainda mesmo dentre os facciosos, bem que malvados, não de todo ignorantes Deveria o Brasil sofrer, e contentar-se somente com pedir humildemente o remédio de seus males a corações desapiedados e egoístas? Não vê ele que mudamos os Déspotas, continua o Despotismo? Tal comportamento, além de inepto e desonroso, precipitaria o Brasil em um pélago insondável de desgraças; e perdido o Brasil está perdida a Monarquia.

Colocado pela Providência no meio deste vastíssimo e abençoado Pais, como Herdeiro, e Legitimo Delegado d’El Rei Meu Augusto Pai, é a primeira das Minhas obrigações, não só zelar o bem dos Povos Brasileiros; mas igualmente os de toda a Nação, que um dia devo Governar. Para cumprir estes deveres Sagrados, Anuí aos votos das Províncias que Me pediram não as abandonasse: e Desejando acertar em todas as Minhas Resoluções, Consultei a opinião publica dos Meus Súditos, e Fiz Nomear e Convocar Procuradores Gerais de todas as Províncias para Me aconselharem nos Negócios de Estado e da sua comum utilidade. Depois para lhes dar uma nova prova da Minha sinceridade e Amor, Aceitei o titulo e encargos de Defensor Perpetuo deste Reino, que os Povos Me conferiram: E finalmente vendo a urgência dos acontecimentos, e ouvindo os votos gerais do Brasil que queria ser salvo, Mandei Convocar uma Assembleia Constituinte e Legislativa que trabalhasse a bem da sua sólida felicidade. Assim requeriam os Povos, que consideram a Meu augusto Pai e Rei privado da Sua Liberdade, e sujeito aos caprichos desse bando de facciosos que domina nas Cortes de Lisboa, das quais seria absurdo esperar medidas justas e úteis aos destinos do Brasil, e ao verdadeiro bem de toda a Nação Portuguesa.

Eu seria ingrato aos Brasileiros – seria perjuro ás Minhas Promessas – e indigno do Nome de Príncipe Real do Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarves – se Obrasse de outro modo. Mas Protesto ao mesmo tempo perante Deus e à face de todas as Nações Amigas e Aliadas que não Desejo cortar os laços de união e fraternidade, que devem fazer de toda a Nação Portuguesa um só Todo Politico bem organizado. Protesto igualmente que salva a dividia e justa reunião de todas as partes da Monarquia debaixo de um só Rei, como Chefe Supremo do Poder Executivo de toda a Nação, Hei de defender os legítimos direitos e a Constituição futura do Brasil, que Espero seja boa e prudente, com todas as Minhas Forças, e à custa do Meu próprio sangue, se assim for necessário.

Tenho exposto com sinceridade e concisão aos Governos e Nações, a quem Me dirijo neste Manifesto, as causas da final resolução dos Povos deste Reino. Se El Rei o Senhor D. João VI, Meu Augusto Pai, estivesse ainda no seio do Brasil, gozando de Sua Liberdade e Legitima Autoridade, de certo Se Comprazeria com os votos deste Povo leal e generoso; e o Imortal Fundador deste Reino, Que já em Fevereiro de 1821 chamara ao Rio de Janeiro Cortes Brasileiras, não Poderia deixar neste momento de Convocá-las do mesmo modo que Eu agora Fiz. Mas achando-se o nosso Rei Prisioneiro e Cativo, a Mim Me compete salvá-lo do afrontoso estado a que O reduziram os facciosos de Lisboa. A Mim pertence, como Seu Delegado e Herdeiro, salvar não só ao Brasil, mas com ele toda a Nação Portuguesa.

A Minha firme Resolução, e a dos Povos que Governo, estão legitimamente promulgadas. Espero pois que os homens sábios e imparciais de todo o Mundo, e que os Governos e Nações Amigas do Brasil hajam de fazer justiça a tão justos e nobres sentimentos. Eu os Convido a continuarem com o Reino do Brasil as mesmas relações de mutuo interesse e amizade. Estarei pronto a receber os seus Ministros, e Agentes Diplomáticos, e a enviar-lhes os Meus, em quanto durar o cativeiro d’El Rei Meu Augusto Pai. Os portos do Brasil continuarão a estar abertos a todas as Nações pacificas e amigas para o comercio licito que as Leis não proíbem: os Colonos Europeus que para aqui emigrarem poderão contar com a mais justa proteção neste Pais rico e hospitaleiro. Os Sábios, os Artistas, os Capitalistas, e os Empreendedores encontrarão também amizade e acolhimento: E como o Brasil sabe respeitar os direitos dos outros Povos e Governos Legítimos, espera igualmente por justa retribuição, que seus inalienáveis direitos sejam também por eles respeitados e reconhecidos, para se não ver, em caso contrário, na dura necessidade de obrar contra os desejos do seu generoso coração.

Palácio do Rio de Janeiro, 6 de Agosto de 1822.

PRINCIPE REGENTE.

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