Eleições na Venezuela: que diferença faz se Maduro venceu ou não a eleição?

    Como já era previsível, a eleição na Venezuela, na qual o atual presidente Nicolás Maduro tentava obter um novo mandato para permanecer por mais seis anos da presidência, totalizando assim 17 anos no poder, dificilmente iria acabar bem. Para Maduro, a hipótese de sair do governo e entregar o poder era inexistente. O que ele buscava com a eleição era apenas a legitimação de seu objetivo pelo voto popular. Caso não vencesse, como ele mesmo anunciou alguns dias antes do pleito, haveria “um banho de sangue”, ou seja, não entregaria o poder pacificamente de forma alguma.

    Nesse sentido, a discussão se ele roubou ou não a eleição é até secundária, uma vez que, independentemente do resultado, ele não entregaria pacificamente poder, como havia anunciado. Caso tenha de fato vencido o pleito, o que a oposição e observadores internacionais contestam, menos mal: cada povo é soberano para escolher seu próprio sistema de governo e suas lideranças, por mais que tal escolha possa desagradar a oposição interna e os desafetos e inimigos externos. Não foi assim no Brasil, quando em 2018 a maioria dos eleitores resolveu escolher Bolsonaro presidente e, em 2022,  uma escassa maioria decidiu dar um terceiro mandado a Lula?

    Se, entretanto, Maduro “cozinhou” o resultado, como a oposição e alguns observadores internacionais alegam, podemos considerar, até de forma um pouco cínica, ter sido uma alternativa menos cruenta do que o tal banho de sangue prometido, caso perdesse. Mesmo porque, na aparente remota hipótese de ele ter vencido legitimamente as eleições, sempre haveria os que, mesmo sem provas, diriam que a eleição foi roubada. Não foi isso que ocorreu na eleição passada, na mesma Venezuela, quando mesmo com os observadores internacionais com o Centro Carter reconhecendo a legitimidade do pleito, os Estados Unidos e seus aliados reconheceram o líder da oposição Juan Guaidó como presidente ao invés de Maduro? Ou na Bolívia, em 2019, quando a OEA e União Europeia questionaram a regularidade do pleito, dando origem a uma onda de violência que obrigou o candidato eleito Evo Morales a fugir do país para não ser assassinado?

    Em casos como o da Venezuela e de Maduro – e há muitos pelo mundo – só existem duas alternativas. Ou se aceita a permanência no poder desses próceres enquanto forem capazes de se sustentar pelos meios de que disponham ou se utiliza dos meios que forem necessários para promover as tais “mudanças de regime”.

    O problema é que todas as tentativas recentes de “mudanças de regime”, em geral patrocinadas pelos Estados Unidos, por meio de seus braços operacionais como o Atlas Network, a Open Society Foundation e o National Endowment for Democracy, deram com os burros n’água, como ficou evidente nas chamadas “Revoluções Coloridas”. O caso mais dramático, mas não o único, foi o da Líbia de Muamar Kadafi. Os Estados Unidos e seus aliados europeus tiraram Kadafi do poder pela força, achando que iriam transformar um país tribal em uma democracia eleitoral pluripartidária liberal aos moldes europeu e norte-americano. O resultado foi literalmente a destruição do país, hoje assolado por guerras tribais e pelo Estado Islâmico (ISIS).

    Mesmo as tentativas “bem-sucedidas” de mudança de regime por meio das chamadas “revoluções coloridas”, como na Iugoslávia, na Georgia, na Ucrânia, no Quirguistão, no Líbano, na Tunísia, no Egito, no Yemen e na Armênia, na maioria dos casos apenas levaram à substituição de governos autoritários antiamericanos por governos igualmente autoritários, mas pró-americanos. Isso para não falar de casos mais antigos como o da deposição do primeiro-ministro nacionalista do Irã, Mohammed Mossadegh, em 1953, por meio de complô organizado pela CIA, que levou, algumas décadas depois, à implantação dos regimes teocráticos dos aiatolás no país.

    Infelizmente, o que se observa é a adoção de dois pesos e duas medidas. Quando o “ditador” é antiamericano ou, no plano geopolítico, representa um incômodo para os Estados Unidos, acionam-se as alavancas da “mudança de regime” em nome da democracia. Mas quando a situação é oposta, ou seja, os ditadores são aliados dos Estados Unidos, como no caso da Arábia Saudita, do Qatar e outras monarquias medievais do Oriente Médio, convive-se perfeitamente com elas, mesmo que sequer partidos políticos sejam admitidos nesses países. E se Trump tivesse sido bem-sucedido, em 2022, em sua tentativa de permanecer no poder mesmo tendo sido derrotado por Biden? A OEA ou a União Europeia iriam liderar uma iniciativa para restabelecer a democracia nos Estados Unidos?

    A preocupação com a Venezuela, infelizmente, decorre muito mais dos interesses geopolíticos envolvidos do que propriamente das péssimas condições econômicas que levaram a que cerca de 25% da população tenha deixado o país em busca de melhores condições de sobrevivência, situação, aliás, em grande parte decorrente das mais de 180 medidas de boicote econômico impostas pelos próprios Estados Unidos.

    É sintomático que países como a China e Rússia tenham reconhecido imediatamente a vitória de Maduro enquanto os Estados Unidos “declararam” como vencedor e legítimo presidente da Venezuela o candidato de oposição. Provavelmente nem um  nem outro dispunham de dados que respaldassem de forma inequívoca sua decisão, mesmo assim o fizeram motivados por seus próprios interesses ou, na melhor das hipóteses, pelas suas próprias convicções do que seria o melhor para o povo venezuelano, independentemente da preferência manifestada pela população nas urnas que até agora ninguém sabe com certeza qual foi.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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    1 COMENTÁRIO

    1. Em tempo: nas relações internacionais governos se relacionam ou não com governos de outros países independentemente da forma como chegaram lá, se são democracias, monarquias, por meio de golpes, etc. O Brasil não esteve por 21 anos sob um governo “ilegítimo” mesmo assim se relacionando com o mundo todo? Moral da história: não cabe na nenhum governo reconhecer a legitimidade de outro. Pode apenas optar por relacionar-se ou não. Nesse sentido o governo Lula erra feio em querer que se faça uma nova eleição na Venezuela.

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