A guerra entre Rússia e Ucrânia irá completar três anos em fevereiro próximo e continua mais mortal e destrutiva do que nunca. Estimativas de diferentes organizações que monitoram a evolução do conflito dão conta de que até agora entre 80 e 100 mil soldados russos perderam a vida no conflito e entre 60 mil e 100 mil soldados ucranianos tiveram o mesmo fim. Segundo a revista The Economist (26/11), dados do site UAlosses, que registra nome e idade dos mortos, dão conta de que pelo menos 60.435 soldados ucranianos morreram desde 2022. Incluídos os feridos de ambos os lados a cifra total já se aproxima de um milhão de baixas.
No caso da Ucrânia, os números sugerem que mais de 0,5% da população pré-guerra de homens em idade de combate (18 a 49 anos) foi morta. De acordo com a revista The Economist (26/11), “Em ambos os países, as mortes em batalha como parcela da população são maiores do que as que os Estados Unidos sofreram nas guerras do Vietnã e da Coréia combinadas. Seu número de mortos em combate está se aproximando rapidamente das perdas dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.”
Estima-se que a Ucrânia necessite de 160 mil novos combatentes para repor as perdas nos campos de batalha. Para isso está sendo pressionada pelos Estados Unidos a reduzir a idade de recrutamento militar obrigatório dos atuais 25 anos para 18 anos de idade, o que o país reluta em fazer temeroso de queimar toda uma geração e comprometer ainda mais o futuro do país. Os ucranianos alegam que o que falta é material bélico, fornecido pelos aliados, não soldados, mas na avaliação dos Estados Unidos o que falta são mais soldados no campo de batalha. Conforme declaração do conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, ao Wall Street Journal (27/11), “Nossa visão é que não há um sistema de armas que faça diferença nesta batalha. É uma questão de mão de obra, e a Ucrânia precisa fazer mais, em nossa opinião, para firmar suas linhas em termos do número de forças que tem na linha de frente.”
Donald Trump prometeu, caso fosse eleito, acabar com a guerra em 24 horas, mas não disse como pretendia fazê-lo. Caso pretenda realmente cumprir o que prometeu não haveria uma alternativa a não ser forçar um acordo que suspenda imediatamente o conflito, o que, por sua vez, implicaria na cessão aos russos de 20% do território ucraniano atualmente ocupado por suas tropas.
Diante desse cenário, o governo Biden, cuja estratégia tem sido deixar aos ucranianos a decisão de quando e como negociar um acordo ao mesmo tempo em que mantém o apoio militar e financeiro para a Ucrânia sustentar o esforço de guerra, decidiu autorizar o uso das armas mais sofisticadas que tem fornecido para os ucranianos para ataques a alvos militares no interior do território russo com o objetivo de melhorar a posição dos ucranianos em uma eventual negociação de paz com Putin. Conforme noticiou o Wall Street Journal (23/11), “Na semana passada, Kiev atingiu a Rússia pela primeira vez com mísseis de longo alcance fornecidos pelo Ocidente, usando mísseis ATACMS fabricados nos EUA e mísseis britânicos Storm Shadow em dois ataques sucessivos.”
A resposta russa foi imediata. Conforme noticiou o Financial Times (28/11), “Esta semana, o Kremlin finalmente cumpriu sua ameaça. Cerca de 72 horas depois que os EUA deram permissão a Kiev para usar mísseis de longo alcance dos EUA, Reino Unido e França em alvos dentro da Rússia, Moscou reagiu com um ataque à Ucrânia como nunca vimos antes – o primeiro uso em combate do que Kiev chamou de míssil balístico intercontinental com capacidade nuclear”.
A arma em questão é o míssil Oreshnik que Moscou usou pela primeira vez em um ataque a Dnipro com capacidade de destruir até mesmo locais subterrâneos altamente protegidos e que a Rússia anunciou ter começado a produção em série. Conforme noticiou o Financial Times (28/11) “A temperatura dos elementos em impacto chega a 4.000 graus”, disse Putin. “Tudo no epicentro da explosão se desintegra em frações e partículas elementares. Essencialmente, vira pó.”
De acordo com o Estadão (23/11), “Putin descreveu o uso do míssil como “bem-sucedido” e disse que a nova arma mostra a superioridade militar da Rússia no conflito, segundo ele, nenhum sistema de defesa em operação é capaz de interceptar o Oreshnik, que viaja a uma velocidade dez vezes superior à do som. Putin falou pela primeira vez sobre o Oreshnik na quinta-feira, após a Ucrânia acusar a Rússia de lançar um míssil intercontinental (ICBM), uma arma de longo alcance com capacidade para carregar múltiplas ogivas nucleares. Em discurso na TV, o presidente russo confirmou se tratar de um novo míssil e a decisão de utilizá-lo foi uma resposta ao uso de armas dos EUA e do Reino Unido em ataques da Ucrânia dentro do território russo. Ontem, Putin elogiou cientistas e militares russos e disse que o Oreshnik é “indetectável” pelos inimigos da Rússia.”
Além disso, diante da perspectiva de um possível acordo, os russos multiplicaram seus esforços para expulsar os ucranianos da região fronteiriça de Kursk ocupada em ataque surpresa da Ucrânia em agosto de 2024 e redobrar seus esforços para tomar o máximo possível de território ucraniano a leste do país. Segundo relatos, deste o início do conflito o avanço das tropas russas nunca foi tão rápido como o que está ocorrendo no momento. As tropas russas se aproximaram, entre outras cidades, de Pokrovsk, cuja queda pode abrir caminho para a tomada da região de Donetsk, de Kurakhove, que abriga um grande depósito de lítio, e de Kupiansk, um importante entroncamento ferroviário.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, tentando se adiantar ao que poderia ser um péssimo acordo, admitiu pela primeira vez aceitar a perda temporária dos territórios ocupados pelos russos em troca de que o restante do território ucraniano fosse protegido pela Otan e que toda a Ucrânia, incluídas as áreas ocupadas fosse admitida como parte da Otan. Obviamente tal acordo tem chance zero de ser aceito pelos russos. Mesmo entre os aliados de Trump que especulam sobre qual poderia ser o formato do acordo que acabasse com a guerra em um dia, conforme prometido, esta proposta de Zelensky não é cogitada. Na verdade, pelo que vem sendo publicado pela imprensa internacional, um possível acordo a ser proposto por Trump poderia incluir a cessão aos russos dos 20% de território já ocupado, o compromisso dos Estados Unidos de fornecer armamentos para a defesa dos restantes 80% em mãos dos ucranianos e a manutenção da Ucrânia fora da Otan por um período de 20 anos. Incluiria também a criação de um corredor desmilitarizado de 800 quilômetros controlados pelos aliados europeus da Otan, sem a presença de tropas norte-americanas.
Embora tal acordo possa parecer inaceitável para os ucranianos, possivelmente eles não teriam uma alternativa a não ser que os aliados europeus – leia-se Alemanha, França e Polônia – se dispusessem a ocupar o vazio deixado pelos Estados Unidos, o que também é pouco provável. O fato, entretanto, é que é tudo especulação. Ninguém sabe qual a ideia de Trump para acabar com a guerra em um dia e apesar das diversas sugestões de seus conselheiros o que se sabe é que a decisão será somente de Trump após consulta aos seus auxiliares mais próximos.
Obviamente há um dilema entre obter um acordo rápido que possa aparentar uma vitória russa ou um acordo não tão rápido, mas menos favorável aos russos. O fato é que, conforme afirmou o Wall Street Journal (06/11) qualquer das propostas que se cogitam no momento rompem com a abordagem de Biden de deixar Kiev ditar quando as negociações de paz devem começar. Em vez disso, eles recomendam uniformemente congelar a guerra em vigor – cimentando a apreensão de cerca de 20% da Ucrânia pela Rússia – e forçando a Ucrânia a suspender temporariamente sua busca para ingressar na Organização do Tratado do Atlântico Norte.
Também ninguém sabe dizer se Vladimir Putin está disposto a esta altura da guerra e no cenário atual que ele considera positivo para a Rússia a aceitar algum tipo de acordo imediato que congele o conflito na situação presente, sobretudo diante da perspectiva de os norte-americanos retirarem seu apoio à Ucrânia e deixarem o problema nas mãos dos seus aliados europeus.
Se na avaliação de Putin esse cenário for o mais provável, não haveria nenhum incentivo para aceitar o fim, mesmo que temporário, do conflito, com o controle de apenas 20% do território ucraniano, quando poderia abocanhar pelo menos a metade do país a leste do Rio Dnieper que divide a Ucrânia ao meio. Na verdade, congelar o conflito na situação atual não representaria um avanço significativo em relação à situação de 2014 quando a Rússia ocupou a Criméia e apoiou a declaração de independência que criou a autoproclamada “República do Povo de Donetsk ou Luhansk” de maioria étnica russa e que deu origem à guerra civil que por sua vez foi um dos motivos do atual conflito.