Julia Lindner e Eduardo Rodrigues / Agência Estado
Uma cláusula incluída nos últimos momentos da negociação entre Mercosul e União Europeia, ontem (28), em Bruxelas, está preocupando o setor privado brasileiro. Trata-se do chamado “princípio da precaução”. O dispositivo deixou em alerta especialmente o agronegócio porque, dependendo da abordagem, pode permitir a imposição de barreiras para a compra de produtos considerados suspeitos por uso de agrotóxicos proibidos ou criados em áreas ilegais de desmatamento, mesmo sem comprovação científica.
Criada e defendida pela UE, a medida é rechaçada por outros países – como os Estados Unidos – e difere do regimento previsto pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao invocar o princípio da precaução, os governos europeus simplesmente bloqueiam importações sem que haja qualquer investigação sobre os eventuais danos que esses bens causariam durante a sua produção.
Até duas semanas atrás, o assunto era visto como inegociável pelo Ministério da Agricultura. A pasta considerava que a medida se tornaria um instrumento de protecionismo em meio a um acordo de liberação de comércio. Foi preciso, no entanto, ceder e incorporá-lo ao acordo para que ele fosse concluído. Segundo uma fonte próxima as negociações, essa foi a “última fronteira negocial”.
A solução, afirma um integrante do Itamaraty, foi incluir uma “blindagem” para evitar que os europeus “abusem” do mecanismo. A íntegra do documento ainda não foi divulgada. Mas, segundo negociadores do lado brasileiro, foi possível proteger o Mercosul do uso indiscriminado do princípio da precaução.
De acordo com o Itamaraty, há um dispositivo que torna obrigatória a revisão periódica da medida, além de garantir a necessidade da apresentação de provas científicas para os consumidores interromperem compras preventivamente.
Além disso, os integrantes do Mercosul teriam cedido aos europeus com a condição de que o princípio constasse apenas no capítulo “desenvolvimento sustentável” do acordo. O trecho do texto traz ideias e diretrizes a serem seguidas pelos países membros de ambos os blocos, mas não trata de normas vinculantes às quais todos estarão obrigados. O princípio de precaução teria ficado de fora do capítulo que envolve questões sanitárias e fitossanitárias e também do capítulo que envolve barreiras técnicas.
Para um representante do setor do agronegócio, a inclusão do princípio de precaução no capítulo sanitário seria “um absurdo” e representaria um “dano enorme” ao Brasil. O capítulo é descrito pela UE como “ambicioso” e trata, entre outras coisas, de segurança alimentar.
Preocupada com a reação dos países do bloco, a UE afirma que nada no acordo muda o jeito que o bloco adota suas regras de segurança alimentar para produção doméstica ou produtos importados. A UE também destaca que o acordo explicita o princípio de precaução, que, de acordo com o texto, significa que autoridades públicas possuem o direito de agir para proteger seres humanos, animais e vegetais diante de um possível risco, até mesmo quando análises científicas não forem conclusivas.