Revista Resenha Estratégica – Vol. 17 | nº 47 | 26 de novembro de 2020
Em uma única linha, a frase que dá título a esta nota sintetiza a mensagem dos debatedores da webinar “Como financiar o desenvolvimento brasileiro: a urgência de um projeto nacional de infraestrutura”, no último dia 17 de novembro. Promovido pelo Movimento Anti-Reset e o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), o evento teve a participação do presidente do CIEE, Humberto Casagrande, o ex-ministro e ex-deputado federal Aldo Rebelo e o jornalista Lorenzo Carrasco, presidente do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) e do conselho editorial desta Resenha.
No debate, mediado pelo jornalista Adalberto Piotto, os palestrantes demonstraram uma concordância quanto à necessidade de o País colocar em prática novas ideias e políticas efetivas para superar a crise atual, agravada pela pandemia do coronavírus. Como afirmou Carrasco, não é possível continuar a “fazer mais do mesmo, que é o que está nos levando à ruína”.
Em sua apresentação, Casagrande afirmou que o Brasil representa uma grande tragédia para os jovens, já que o atual governo não tem qualquer projeto eles. “O CIEE tem 4,6 milhões de jovens inscritos e não temos vagas para atendê-los”, disse. “Existem 17,5 milhões de jovens em busca de emprego, o índice de desemprego dos jovens aferido pela PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – IBGE) é de 29,5%, o dobro dos adultos”, aduziu.
As consequências desse descaso são trágicas, observa: Temos no Brasil hoje 48,3 milhões de estudantes e, a despeito disto, não há nenhuma política pública que possa incentivar diretamente esses jovens. No CIEE, temos assistido um aumento muito grande da desesperança. Pesquisas recentes mostram que 28% desses jovens consideram não voltar a estudar depois da pandemia. Temos assistido um aumento muito grande de automutilação e suicídio entre os jovens. (…)
Nesse contexto, Casagrande afirmou que o Brasil precisa recuperar a capacidade de investimento, principalmente, em infraestrutura. Para tanto, propôs formalmente ao governo federal a criação de “coronabonds” para promover tais investimentos sem um aumento intolerável da dívida pública (ver Resenha Estratégica, 12/08/2020). Em sua proposta, “uma adaptação dos bônus de guerra”, poderiam ser emitidos títulos em montante entre R$ 500-600 bilhões, com prazos de 20-25 anos e rendimentos da ordem de 2% acima do IPCA, os quais, em sua avaliação, seriam bastante atraentes para os investidores. Do ponto de vista macroeconômico, observou, a operação seria perfeitamente viável, até porque os volumes de títulos emitidos representariam menos de 10% do total da dívida pública existente e da carteira dos fundos de investimento que operam no País.
Por sua vez, Aldo Rebelo destacou que a infraestrutura é uma pré-condição para o desenvolvimento. “Quando falamos de infraestrutura, é porque o País não consegue
propor nenhum projeto de desenvolvimento sem esses pré-requisitos”, enfatizou.
O ex-ministro fez duras críticas à submissão brasileira às pressões do aparato ambientalista-indigenista, cujas ONGs, ressaltou, não estão submetidas a qualquer tipo de fiscalização, ao contrário dos órgãos do Estado e outras entidades públicas.
Muitas ONGs, disse, “têm interesses geopolíticos e comerciais”. Elas agem “bloqueando a infraestrutura, bloqueando o desenvolvimento em todos os seus aspectos. Até hoje, temos um estado da federação que não está ligado à rede nacional de energia elétrica, Roraima.
Como se pode submeter o país a esse tipo de bloqueios por interesses que não são os nacionais?”
Ele criticou, também, a draconiana legislação ambiental: “Não se tem uma lei que institui uma via rápida para projetos de infraestrutura, tudo leva décadas para ser feito. Leva-se mais tempo para fazer uma segunda pista do aeroporto de Brasília do que para fazer Brasília inteira, dada a legislação que empoderou os órgãos de controle e deu maioria às ONGs nesses conselhos e nessas instituições.”
Por isso, enfatizou, “a batalha pela infraestrutura não é apenas econômica e política, mas acima de tudo uma batalha de ideias. No Brasil, temos um aparato de corporações públicas e privadas que são contra o Estado e a iniciativa privada. Qualquer projeto de desenvolvimento virou uma ameaça para esse aparato, que tem que ser barrada”.
“Obras de infraestrutura de interesse nacional têm que ter uma via rápida, não podem ser bloqueadas por um procurador no interior do Ceará ou um juiz de primeira instância no Rio Grande do Sul. O Ministério Público é o braço jurídico das ONGs no Brasil. A batalha mais decisiva para o futuro do Brasil é a da infraestrutura, é essa que deve mover as energias espirituais, intelectuais, políticas, econômicas, sociais do país, para abrir caminho e remover os obstáculos colocados no caminho do desenvolvimento, que têm um custo muito elevado para qualquer obra e são fatores inibidores para quaisquer investimentos” – concluiu Aldo.
Em sua intervenção, Carrasco citou o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, segundo quem o País está à deriva e sem sentido de projeto. Por isso, afirmou,
“necessitamos de um estado de mudança mental, de mudança de ideias. Como dizia Einstein, o estado mental que cria um problema não tem condições de resolver esse problema. Ou seja, frente a essa crise que vivemos, não adianta fazer mais do mesmo, que é o que está nos levando à ruína”.
“Como se chegou a este momento? O Brasil teve um projeto industrial, que o levou à condição de sétima economia do mundo e, hoje, caiu para décima-segunda e continua caindo. Porque o País não está cuidando de proteger a indústria e desenvolver a infraestrutura. Então, não adianta ficar se preocupando só com a parte fiscal”, disse ele.
“O Brasil teve um projeto industrial de 1930 até 1975, que começou na época de Franklin Roosevelt nos EUA. Aliás, Roosevelt dizia que o New Deal era uma criação dele e do presidente Getúlio Vargas, que havia começado o processo de transformação antes mesmo do New Deal”, enfatizou.
Carrasco fez uma síntese histórica da transformação da economia mundial, desde os “30 Gloriosos” do pós-guerra, o período de maior desenvolvimento econômico da História, à crise de 2008, passando pela sucessão de bolhas financeiras geradas pela ruptura dos acordos de Bretton Woods pelo governo de Richard Nixon, em 1971, e as crises subsequentes, como a do petróleo e a da dívida, que cobraram um alto preço dos países em desenvolvimento, como o México, Brasil e outros.
Para ele, a pandemia de Covid-19 não criou a crise atual, mas potencializou uma crise que estava latente, com uma dramática situação de endividamento global de governos e empresas, agravada pelas emissões forçadas pela pandemia. “Chegamos a um momento de insolvência global, o sistema está quebrado. O FMI (Fundo Monetário Internacional) teme um calote das dívidas soberanas e corporativas, é uma ameaça real”, observou.
Em sua avaliação, o coronavírus demonstrou que a globalização fracassou: “A própria dinâmica da pandemia mostra que o Estado precisa ser mobilizado para combater a pandemia, e aí vemos os problemas da ‘outsourcing’, com a fabricação de elementos de saúde primários, que deveriam ser estratégicos para cada país, transferida para outros países, a China, no caso dos respiradores e a Índia, no caso de medicamentos, buscando barateamento da mão-de-obra.”
“É preciso saber que, na história econômica, nunca um processo de livre comércio como o da globalização deu certo. Nenhuma nação chegou a um estágio desenvolvido por meio do livre comércio – Inglaterra, França, Alemanha, Coreia, Japão, muito menos os EUA” – enfatizou.
Sobre o “Grande Reset”, tema do momento, foi igualmente enfático: Quanto ao chamado “Grande Reset”, anunciado pelo Fórum Econômico Mundial, é apenas mais do mesmo. Quando propusemos o tema do “Anti-Reset”, é porque precisamos pensar a economia de uma maneira diferente. Precisamos pensar a economia a partir das pessoas, do que elas precisam. A própria ajuda emergencial mostrou um caminho surpreendente: a atividade econômica se recuperou rapidamente, porque o dinheiro chegou na ponta. O que está acontecendo com o sistema financeiro é que ele funciona como uma grande represa de recursos. Há recursos abundantes na economia global, mas o sistema financeiro se encarrega de demonstrar que há uma escassez, para que os governos e as pessoas se acostumem com essa mentalidade de escassez que induz o pessimismo, e isto é que é o “Reset”. Então, é preciso criar uma mentalidade otimista, na qual o homem seja o centro, em que o dinheiro chegue às pessoas comuns, nos municípios, gerando aqueles empregos nas pequenas e médias empresas ou os empregos que irão receber os milhões de pessoas que têm que estar envolvidas em projetos de infraestrutura. Essa foi uma lição do New Deal, em que Roosevelt mobilizou milhões de pessoas, inclusive, em reflorestamento. Já que estão falando na Amazônia, em desmatamento, um programa de reflorestamento maciço pode gerar milhares de empregos emergenciais.
O vídeo completo do debate pode ser visto no sítio do Movimento Anti-Reset.