O resultado das eleições legislativas na Polônia em 16 de outubro, quando uma coalizão de partidos de oposição derrotou o partido Lei e Justiça (PiS), no poder há oito anos, representa uma importante mudança não apenas na política interna do país, mas terá consequências igualmente importantes em todo o cenário europeu.
A Polônia é o maior país do lado oriental da Otan e está se tornando rapidamente uma potência econômica e militar. Seu crescimento tem sido surpreendente. Desde que aderiu à EU, em 2004, a economia da Polônia expandiu-se mais rapidamente do que a da maioria dos estados membros da UE, catapultando o país para se tornar a sexta maior economia do bloco, com uma das taxas de desemprego mais baixas. Também se tornou um grande centro tecnológico. Este ano, a Intel anunciou que investiria US$ 4,6 bilhões em uma fábrica de chips perto de Wroclaw. Em 2022, o Google anunciou que duplicaria sua presença em Varsóvia com um investimento de US$ 700 milhões. E, ao contrário de muitos países da Europa Ocidental, a Polônia utilizou a sua prosperidade para investir na defesa: já está gastando mais do que os 2% do PIB exigidos pela Otan. Suas despesas nesse item atingiram quase 4% este ano. O governo investiu em equipamento militar moderno de topo, incluindo sistemas de defesa antimísseis fabricados nos EUA, tanques Abrams e caças F-35. Não é de estranhar, portanto, que as posições antiliberais e nacionalistas do PiS estivessem incomodando a cúpula da União Europeia e os Estados Unidos.
O que estava em jogo nesta eleição eram duas visões distintas a respeito do futuro da Polônia e seu lugar na Europa. Uma dominada pelo nacionalismo, pelas normas católicas tradicionais e pela defesa da soberania polaca; a outra, com promessas de “trazer a Polónia de volta à Europa” e aos valores democráticos liberais defendidos pela União Europeia. Venceu a segunda.
De acordo com os resultados divulgados pela imprensa, os três partidos de oposição – Coalizão Cívica (KO), Terceira Via e Esquerda – obtiveram juntos 248 cadeiras na assembleia de 460 deputados, ante 212 assentos obtidos pelo PiS (Partido da Lei de Justiça), atualmente no poder, e a Confederação (extrema direita). Embora o PiS tenha sido o partido que individualmente obteve o maior número de cadeiras (194), os três partidos de oposição que formavam a Plataforma Cívica, somados, obtiveram a maioria dos votos e a possibilidade de formar o próximo governo.
Esse processo não é automático, uma vez que o atual presidente, filiado ao PiS, deverá inicialmente convidar o partido que obteve o maior número de cadeiras, no caso o próprio PIS, com 194, para formar o novo gabinete. Caso este não consiga formar uma coalizão que lhe garanta os 231 votos necessários para formar o novo governo, o que é certo, pois mesmo com o apoio da Confederação, partido de extrema direita que obteve 18 cadeiras, chegará no máximo a 212, o partido de oposição, Coalizão Cívica, que obteve 157 cadeiras e ficou em segundo lugar, será chamado a formar o novo gabinete. Junto com a Terceira Via e a Esquerda, que conquistaram, respectivamente, 65 e 26 cadeiras, a Coalizão Cívica deverá formar o novo governo.
O presidente tem 30 dias para convocar a reunião do Sejm, o equivalente à Câmara dos Deputados, para aprovar o novo governo. O novo primeiro-ministro deverá ser Donald Tusk, o líder da Plataforma Cívica, coalizão que reúne liberais centristas e esquerda. Tusk foi primeiro-ministro da Polônia e presidente da Conselho Europeu. Mas o presidente, cujo mandato vai até 2025, continuará sendo Andrzej Duda, filiado ao PiS e aliado fiel do seu líder, Jaroslaw Kaczynski. O que indica que haverá dificuldades para o novo governo fazer as mudanças que prometeu, uma vez que o presidente pode vetar as leis aprovadas por seus inimigos políticos no parlamento. Além disso, o presidente tem a prerrogativa de indicar os juízes, sendo essa uma das questões mais problemáticas que o novo governo deverá enfrentar.
No poder há oito anos, o PiS, partido conservador e nacionalista, apesar de ter apoiado resolutamente a Ucrânia na guerra contra a Rússia, talvez mais pelo instinto anti-Rússia dos poloneses do que por qualquer outra coisa, tomou uma série de medidas controversas que acabaram por indispô-lo com a cúpula da União Europeia. Dentre elas, uma polêmica reforma no sistema judiciário, que a União Europeia considera um ataque à democracia. Com a reforma, foi criada uma câmara disciplinar para juízes da Suprema Corte. A medida permite que os ministros tenham sua imunidade suspensa e o salário reduzido.
O PiS também comprou briga com a mídia. No final de 2021, o PiS aprovou legislação que teria forçado o desinvestimento da maior rede de televisão privada da Polônia, a TVN, pelo seu proprietário norte-americano, Discovery. Isto teria deixado a TVN vulnerável à compra por uma empresa estatal polaca que poderia ter mudado a política editorial da TVN no seu popular canal de notícias para apoiar mais o governo. O presidente Andrzej Duda, pressionado por Washington e pela União Europeia, vetou essa legislação no final daquele ano devido à preocupação com a proteção dos investimentos estrangeiros na Polônia e a relação com os Estados Unidos. Mas depois de a empresa estatal de energia Orlen ter adquirido a imprensa escrita local na Polônia, foram introduzidas alterações pró-governamentais nas suas linhas editoriais. Tais esforços governamentais para controlar a imprensa prejudicaram a posição da Polônia na Europa e nos Estados Unidos. A Polônia tornou-se incômoda para a UE, que tomou a medida sem precedentes de congelar 35 bilhões de euros em fundos de recuperação da Covid devido ao que considera violações do Estado de direito por parte do PiS.
Além disso, o PiS, cuja base principal está no campo, entre os agricultores pobres, vem mudando sua posição em relação à Ucrânia devido, sobretudo, à questão da venda de grãos pelos ucranianos a preços rebaixados no mercado polonês, prejudicando os agricultores locais. Pressionado pela sua principal base política, o PiS, contrariando decisão da União Europeia, proibiu a importação de grãos da Ucrânia e suspendeu o envio de armas para o vizinho. As tensões de acolher mais de um milhão de refugiados ucranianos também diminuíram um pouco esse apoio.
A tomada de poder pela oposição deve reposicionar a Polônia no cenário europeu, não apenas garantindo o apoio irrestrito à Ucrânia, como revertendo as medidas antiliberais de política interna criticadas pela União Europeia. No momento em que o edifício da União Europeia começa a rachar sob o peso de inúmeras contradições internas e diferentes perspectivas em relação à ordem global, ressuscitar o “Triangulo de Weimar”, formado por França, Alemanha e Polônia, em 1991, é fundamental para Washington e Bruxelas fazerem avançar os valores liberais no Leste Europeu após o fim da União Soviética
Como afirmou Sylvie Kauffmann em artigo no Financial Times (26/10), “A dimensão mais importante da reversão política em Varsóvia, porém, tem a ver com o futuro alargamento da UE. A integração da Ucrânia, da Moldávia e dos países dos Balcãs Ocidentais é um esforço de proporções inéditas, que exigirá mudanças na forma como a união está organizada. A Polônia, que faz fronteira com a Ucrânia, encontra-se numa posição crucial. A sua própria experiência ao aderir à UE como novo membro em 2004 será preciosa”.