China reage a provocação dos Estados Unidos

    O encontro do presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, o republicano  Kevin McCarthy, com a líder de Taiwan, em território norte-americano, na Califórnia, no último dia nove de abril, foi mais uma de provocação dos Estados Unidos contra a China. O encontro desconsidera o que foi estabelecido em 1971, quando a República Popular da China assumiu, na ONU, a representação de todo o povo chinês naquela organização, bem como o compromisso assumido pelos Estados Unidos  por ocasião do reatamento das relações diplomáticas entre os dois países, em 1979, e reafirmado no Consenso de 1992, de que há uma só China e que Taiwan é parte dela. Encontros oficiais entre autoridades americanas e a “presidente” de Taiwan atentam, assim, contra a soberania da China e os chineses protestam com razão.

    Mesmo tendo aceitado, por ocasião do reatamento das relações diplomáticas entre os dois países, em 1979, que Taiwan é parte indissociável da China, a postura dos Estados Unidos em relação ao tema nunca deixou de ser ambígua, na medida em que após reconhecer a República Popular da China como a legítima representante de todo povo chinês, em 1979, denunciar o Tratado de Defesa Conjunta Estados Unidos-Taiwan e retirar as tropas americanas da ilha,  o Congresso americano aprovou, no mesmo ano, o Ato das Relações com Taiwan.

    O ato aprovado pelo Congresso americano, que entrou em vigor em abrir de 1979, declara que a decisão norte-americana de restabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China repousa na expectativa de que o futuro de Taiwan seria determinado por meios pacíficos e que os Estados Unidos iriam considerar qualquer tentativa de determinar o futuro de Taiwan por outros meios uma ameaça para a paz e a segurança da área do Pacífico Ocidental e grande preocupação para os americanos. Afirma que os EUA iriam “prover Taiwan com armas de caráter defensivo” e “manter a capacidade dos Estados Unidos de resistir a qualquer recurso à força ou outras formas de coerção que pudessem ameaçar a segurança, o sistema econômico e social do povo de Taiwan”.

    Os termos do Ato tratam Taiwan como um país, violando os princípios acordados entre os Estados Unidos e a China e o compromisso assumido quando do reatamento das relações diplomáticas. Tal postura ficou conhecida como “ambiguidade estratégica”, uma vez que se de um lado não afirma explicitamente que os Estados Unidos virão em socorro de Taiwan no caso de uma guerra entre os dois lados do estreito, também não deixa claro que não o fariam caso isso viesse a ocorrer. Essa posição ambígua, de qualquer forma, tem evitado até hoje que as forças separatistas de Taiwan avancem na direção de uma declaração formal de independência.

    O que está acontecendo desde o início do governo Trump e agora no governo Biden é que, apesar de, oficialmente, a posição dos Estados Unidos continuar a mesma, uma série de atos e falas dos dois líderes indicam que as duas últimas administrações americanas estariam mais propensas a substituir essa posição ambígua por uma postura mais assertiva em prol da independência formal da ilha.

    Desde que Trump falou pessoalmente com a líder de Taiwan, por ocasião de sua eleição, os Estados Unidos têm enviado altos representantes do governo americano para visitas oficiais à ilha em uma clara demonstração de que tratam Taiwan como um país independente. Já no governo Biden, a presidente da Câmara dos Deputados Nancy Pelosi fez uma visita oficial à ilha, causando enorme constrangimento diplomático com a China. Perguntado em quatro diferentes ocasiões se os Estados Unidos sairiam em defesa de Taiwan no caso de uma guerra, o presidente Biden afirmou que sim, sinalizando uma clara ruptura com a posição oficial dos Estados Unidos. Posteriormente a Casa Branca desautorizou a afirmação do presidente em um jogo combinado para salvar as aparências ao mesmo tempo em que, na prática, vão rasgando os acordos assinados em 1979.

    A mais recente das provocações foi o anúncio de uma reunião, em abril, entre o atual presidente da Câmara dos Deputados, o republicano Kevin McCarthy, e a líder taiwanesa, Tsai Ing-wen, defensora declarada da independência de Taiwan, que, a princípio deveria ocorrer na ilha. Diante da forte reação da China, o encontro foi transferido para o território americano, mas a intenção do gesto permaneceu a mesma. Conforme anunciou o Wall Street Journal, em 09/04, “As discussões de quarta-feira com McCarthy marcaram a reunião política de mais alto nível que um presidente taiwanês realizou nos EUA. O republicano da Califórnia trouxe membros do Congresso de ambos os partidos políticos para ver Tsai e destacar o amplo apoio americano a Taiwan”. Na ocasião, a líder de Taiwan afirmou, segundo o mesmo jornal, que “somos mais fortes quando estamos juntos”, e expressou gratidão pelo apoio bipartidário de Taiwan, que ela disse tranquilizar o povo da ilha de que “não estamos isolados e não estamos sozinhos”.

    O fato é que diante das afirmações recentes do presidente Xi Jinping de que a unificação do país é uma tarefa histórica que precisa ser realizada, sinalizando que o retorno de Taiwan à China é parte do “Sonho Chinês’, cujo horizonte de concretização é 2049, os Estados Unidos vêm trabalhando por baixo dos panos para, a despeito do que foi acordado entre os dois países em 1979 e reafirmando em outras ocasiões, patrocinar a independência formal da ilha. Ou seja, para os Estados Unidos, uma resolução pacífica do problema não interessa em absoluto, caso seu resultado seja a reunificação da China com a volta de Taiwan ao regaço da pátria chinesa.

    Por trás do sempre hipócrita discurso norte-americano em defesa da democracia estão os interesses econômicos e militares dos Estados Unidos. Hoje a ilha é a principal fornecedora de alguns microchips avançados que os Estados Unidos não são capazes de produzir, por sua vez vitais para o funcionamento de todos os seus setores de alta tecnologia, civis e militares. No campo militar, o retorno de Taiwan à China representaria um duro golpe ao domínio americano do oceano Pacífico, uma vez que daria acesso direto à China Pacífico Ocidental. Hoje, Taiwan é, como afirmou no passado o general MacArthur, comandante em chefe das Forças Aliadas de ocupação do Japão de 1945 a 1951, demitido em abril de 1951 porque queria atacar a China com uma bomba atômica, “um porta-aviões americano não afundável na Ásia e no Pacífico” e para os Estados Unidos é estratégico que assim permaneça.

    A China, obviamente, não tem deixado passar em branco essas investidas norte-americanas e a cada provocação tem reagido à altura. Conforme informou o jornal “O Estado de S. Paulo” no mesmo dia 9/4, “A China enviou ontem navios de guerra e dezenas de caças para Taiwan, em retaliação a uma reunião entre a presidente da ilha, Tsai Ing-wen, e o presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Kevin McCarthy, na Califórnia. Segundo o Ministério de Defesa de Taipé, os chineses deslocaram nove navios de guerra, 71 aviões e 29 caças para o Estreito de Taiwan”.

    O objetivo dos exercícios militares da China é demonstrar que a questão da independência de Taiwan é inegociável  e que a “independência de Taiwan e a paz são incompatíveis”. Conforme informou o mesmo “Estado de S. Paulo”, em 10/4, “Após anunciar o fim das manobras, o porta-voz do ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, advertiu que “a independência de Taiwan e a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan são coisas mutuamente excludentes”. Ele também culpou o governo taiwanês e o que chamou de forças estrangeiras pelas tensões na região. “Se queremos proteger a paz e a estabilidade no Estreito de Taiwan, devemos nos opor de modo veemente a qualquer forma de separatismo taiwanês”, disse.

    Não há, obviamente, como prever o futuro, mas por tudo que têm dito e feito, os Estados Unidos aparentemente estão apostando em uma saída militar para o conflito, dado que essa tem sido a forma com que os norte-americanos regularmente procuram resolver os problemas quando os outros países não aceitam entregar voluntariamente o que desejam. Ninguém investe quase um trilhão de dólares por ano em armamentos se não tem a intensão de usá-los de um jeito ou de outro, seja para dissuadir, seja para ameaçar, seja para fazer a guerra. Considerando-se que não haja ninguém interessado em ameaçá-los, os Estados Unidos investem tanto em armas para ameaçar os outros.

    O problema é que uma guerra entre Estados Unidos e China, por causa de Taiwan, não seria nada parecida com nenhum dos conflitos que os norte-americanos enfrentaram no pós-guerra. Ao analisar tal possibilidade, artigo de Ross Babbage, ex-analista de estratégia e planejador de defesa, no Departamento da Defesa da Austrália, publicado pelo jornal New York Times e reproduzido pelo jornal o Estado de S. Paulo em 28/2, assim analisou:

    “O cenário militar, sozinho, é assustador: a China provavelmente lançaria um ataque relâmpago — aéreo, naval e cibernético — para tomar controle de alvos estratégicos dentro de Taiwan em questão de horas, antes de os EUA e seus aliados serem capazes de intervir. Taiwan é pouco maior que o Estado de Maryland; se nos lembramos de quão rapidamente o Afeganistão e Cabul caíram para o Taleban, em 2021, nós começamos a perceber que a tomada de Taiwan poderia ocorrer com relativa rapidez. A China também possui mais de 1.350 mísseis balísticos e de cruzeiro posicionados para atacar forças americanas e aliadas no Japão, na Coreia do Sul, nas Filipinas e em territórios controlados pelos EUA no Pacífico Ocidental. E há a dificuldade prática para os EUA de travar uma guerra a milhares de quilômetros através do Pacífico contra um adversário que possui a maior Marinha do mundo e a maior Força Aérea na Ásia”.

    O comentarista do Financial Times, Gideon Rachman constata que “Para alguns na América, as promessas de Biden são quase uma loucura. Doug Bandow, do Cato Institute, um think-tank, reclama que “a maioria dos formuladores de políticas [americanos] está preparada para arriscar o suicídio nacional para proteger Taiwan”. Por que a América, cansada da guerra, deveria ameaçar lutar contra a China, outra potência com armas nucleares, para defender uma ilha de 24 milhões de pessoas que fica a cerca de 160 quilômetros da costa chinesa?”

    Para o colunista, entretanto, tal posição se justifica, entre outras razões, porque, segundo ele, “Taiwan produz mais de 60% dos semicondutores do mundo e cerca de 90% dos mais sofisticados. As engenhocas que fazem a vida moderna funcionar, de telefones a carros e máquinas industriais, são produzidas com chips taiwaneses. Mas as fábricas que os produzem podem ser destruídas por uma invasão. Se as fábricas de chips de Taiwan sobrevivessem, mas caíssem sob o controle chinês, as implicações econômicas seriam enormes. O controle dos semicondutores mais avançados do mundo daria a Pequim um comando sobre a economia mundial. Como os EUA já descobriram, replicar a indústria de semicondutores de Taiwan é muito mais difícil do que parece”.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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    3 COMENTÁRIOS

    1. Resta claro que o dito Império Americano está ruindo!
      E eles estão utilizando-se de todos os meios para incendiar o Planeta Terra. Mas não conseguiram…

    2. Os ESTADOS UNIDOS não são a maioria do POVO AMERICANO. Nos, AMERICANOS DO SUL juntos com os AMERICANOS da AMÉRICA CENTRAL somos MAIORES e com
      Maior contingente, se concretizando as intenções comerciais dos BRICS, o imperialismo estadunidense SUCUMBE, e leva junto com o IMPERIALISMO suas GUERRAS extinguindo-se automaticamente a OTAN/NATO e a ONU. RÚSSIA, ÍNDIA, CHINA, ÁFRICA, AMÉRICA DO SUL E CENTRAL, somos MUITO MAIS que um simples império estadunidense, e se preciso for, acontecerá a GUERRA para conquistarmos a PAZ MUNDIAL. Chega deste malfadado falso imperialismo. O IMPÉRIO ruiu.

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