Eduardo Galeano, no livro Futebol ao Sol e à Sombra, formulou a pergunta fundamental: em que o futebol se parece com Deus? Todo grande escritor conhece o intervalo silencioso e necessário que existe entre a questão decisiva e a sublimação da resposta, o abismo de profundidade que a linguagem exige de escritores e leitores. O único espaço absoluto, incalculável e indefinido é o que existe entre a grande perquirição e a resposta. Um estádio vazio e silencioso brotava da indagação formulada pelo escritor de As veias abertas da América Latina.
A inquirição era firme, esguia e majestosa. Ao mesmo tempo simples e elegante, um insofismável axioma euclidiano formulado como questão filosófica. Cada palavra havia sido colocada com a precisão de um destro geômetra, com a elegância imperante de um demiurgo que aponta contemplativo para a perfeição escultórica das formas. No texto, contudo, havia mais. Havia uma miragem, um tecido de alegorias que vestia o delírio da contemplação inefável.
Havia também algo de finta, de provocação e, certamente, a sintaxe dribladora projetava no leitor a força ilusória e irresistível dos que se movem com os pés de um bailarino. A pergunta era obra de um craque, do mais autêntico brilhantismo do futebol sul-americano, uma jogada feita com a destreza dos gestos de magia e encantamento. O escritor uruguaio conduzia o leitor na direção de uma suposição enganosa. Por um instante e sem saber, o leitor julgava conhecer a natureza de Deus: em que o futebol se parece com Deus? A questão era como um drible do Schiaffino.
Durante muito tempo, o dilema metafísico de Galeano consumia o meu pensamento. Sem resposta, eu perdia incontáveis grãos de areia nas ampulhetas dos acréscimos da prorrogação do pensar. O gênio projetava em mim uma sabedoria que eu não possuía e, certamente, jamais poderia alcançar – a natureza de Deus é um mistério insondável. A verdadeira metafísica é o esporte bretão. Melhor dizendo: o futebol é o lugar onde a metafísica encontra as condições de realização de seus verdadeiros problemas. A grande ilusão reside na suposição de conhecermos algo sobre a natureza do Divino.
Sem saber, no dia 30 de outubro de 2007, o Brasil inteiro resolveu o enigma metafísico de Galeano. Em que o futebol se parece com Deus? Na devoção que desperta no povo e na descrença que desperta nos intelectuais. O Brasil foi eleito o país sede da Copa do Mundo de 2014. O Mundial retornaria para o Brasil, para o país do futebol, para o seio bondoso do povo brasileiro. O país tropical era como uma arquibancada de alegria e comemoração. Como num título, todos celebravam a possibilidade de realizar novamente o certame Mundial – o Brasileiro era feito de fé e devoção. Por alguns instantes, o futebol era como um Deus para o nosso Povo.
Quando eu era criança, tal possibilidade parecia impossível. Sim, leitor. Na década de 1990, como qualquer moleque de favela e subúrbio do Rio de Janeiro, eu passava a vida jogando pelada. Para fugir das dificuldades, da violência, nossa imaginação infantil convertia um modesto campinho de terra no estádio do Maracanã. A bola precária e surrada era uma joia preciosa, cada partida oficiosa era disputada como uma final de campeonato. Na favela do Caminho do Outeiro, no bairro distante bairro de Jacarepaguá, a realidade exigia de nós uma imaginação de escritor.
Ao sol, nós emulávamos os clássicos, as jogadas dos grandes craques e cada movimento possuía a graciosidade estética de um filme do Canal 100. Com o calor, erámos obrigados a realizar pequenas pausas para matar a sede. Sempre buscávamos um pouco de água no bar que ficava próximo ao campo. No bar, um senhor negro percebia o burburinho de moleques bagunceiros e perguntava: quem vai jogar na seleção brasileira? Quem vai fazer um gol no estádio do Maracanã? Quem é o camisa dez?
Nossas respostas eram óbvias, previsíveis. O velho, contudo, retrucava: vocês podem até jogar na seleção, mas nunca verão uma Copa do Mundo no Brasil. Eu vi a Copa de 1950; vocês jamais verão uma Copa do Mundo no Brasil! O homem vivenciou a única Copa realizada no Brasil até então. E o pior: o velho era cego e, com as cores da cegueira, seus olhos sentenciavam o futuro de nossas retinas infantis – jamais veríamos uma Copa do Mundo no Brasil. Depois da explanação do cego, o silêncio de um Maracanaço emoldurava o ambiente. Sem opção, nós retornávamos para o singelo campinho de terra e cada pé descalço disputava a pelota como uma relíquia sagrada.
Depois do anúncio de o Brasil ser aclamado Sede da Copa do Mundo de 2014, eu só tinha um medo – o de ficar cego. Era como se eu tivesse de defender a saúde da minha visão, tal como Arariboia defendeu o território e a ilha de Paranapuã. Eu só queria ver a Copa do Mundo no meu País. Uma metade minha era feita de fé e paixão futebolística; a outra metade, entretanto, era de medo e pavor da cegueira. A Copa retornava ao País do Futebol, ao nosso querido País, ao Brasil; a oftalmologia do temor sondava meus olhos com o manto negro da densa escuridão.
Aos poucos, o medo de perder a visão ia se desmanchando na paisagem. Diante dos meus olhos, entretanto, emergia uma ameaça ainda mais triste e perigosa, um tipo de ablepsia coletiva. Em junho de 2013, uma falange estrangeira arrebatava as grandes cidades do País. Uma SUIPA de mascarados tomava as ruas. O complexo de vira-latas ganhava novo fôlego no século XXI. Com nomes, lemas e legendas estrangeiras, a fúria incendiava as avenidas. Os sabotadores estavam cegos de cólera e vontade de destruição. O sentimento antinacional é a ração e o biscrok da matilha.
A horda de alucinados era incitada pelas redes sociais, pela mídia tradicional e por intelectuais burlescos. Sociólogos uspianos, filósofos do departamento francês de ultramar e jornalistas estrangeirados ditavam o enredo: o cortejo era fúnebre, horrendo e triste. Mantras, cartazes, palestras e manifestos eram lançados contra a Copa do Mundo e o Brasil. Como um bom torcedor, no ano de 2013, eu desconfiava dos intelectuais, da ‘’voz que vem das ruas’’, das manchetes e dos jornais.
No fim, apesar de tudo, o Brasil saiu vencedor. Com uma plasticidade Armorial, o Escrete Canarinho derrotou os espanhóis – 3 a 0, um verdadeiro baile! O Brasil conquistou pela quarta vez a Copa das Confederações. Não obstante o título, infelizmente, o País do Futebol não seria mais o mesmo. A caixa de Pandora estava aberta. Depois de 2013, os brasileiros jogariam um Gre-Nal sem ardor, um Ba-Vi sem alegria, um Fla x Flu sem paixão. Cada cidadão seria transformado em Sísifo, todos nós seríamos condenados a rolar a bola na ladeira de paralelepípedos da polarização política. O verdadeiro cego é aquele que não enxerga a sabotagem realizada contra o Brasil.
Os falsos profetas do ‘’cronograma de atrasos’’ estavam enganados; estádios foram construídos, reconstruídos, preservados e entregues no tempo correto. Os que discordavam dos monumentos erguidos no centro e no norte do Brasil estavam equivocados; o Brasil é irreversivelmente continental. A prodigiosa organização da Copa de 2014 calou os críticos, sepultou o tratado de Tordesilhas e, com a elegância estética de um Vitor Brecheret, ergueu em todas as regiões do Brasil monumentos de majestosa expressão estética e deslumbramento formal. 12 cidades sedes, 12 estádios, 5 regiões – a maior Copa do Mundo de todos os tempos foi realizada no Brasil!
A Copa do Mundo foi mágica. Dentro e fora de campo, o Mundial de Futebol ressoava brasilidade, emanava o vigor e a alegria da nova humanidade encarnada em cada um de nós. Nas ruas, em eventos populares, o povo era tênue e belo como uma partitura de Pixinguinha e, ao mesmo tempo, festivo e vibrante como um carnaval em Olinda. Uma chuva de gols, placares hiperbólicos e zebras emprestavam seu colorido ao Campeonato – a Copa do mundo renascia no País Tropical. Repito: a Copa despertou a devoção do povo! A Copa de 2014 foi a mais popular da história! Pelas ruas de todo o Brasil, pessoas de todas as classes sociais participavam de eventos artísticos e musicais! Todos os dias, as ruas e praças do Brasil acordavam metamorfoseadas na geral do antigo Maracanã!
Na semifinal, estranhamente, a Seleção Brasileira foi derrotada – 7 a 1. O placar afirma uma realidade que eu não reconheço. No ano do seu centenário, em casa, a Seleção Pentacampeã perdeu de modo acachapante – a realidade parecia mentirosa. Nos telões espalhados por todo o Brasil, o Povo Brasileiro olhava bestializado, tomado pela mais vigorosa incredulidade. O Torcedor Brasileiro era como um Creso. No oráculo dos botequins, a Copa de 2014 trataria de apagar a Copa de 1950. Dito e feito. Além de Rei da Lídia, eu era um Édipo. Depois do apito final, eu estava completamente cego. Uma lágrima sépia, espessa e opaca me privou da visão. Até o fim do certamente, eu vivi e vaguei como um cego. No fundo, eu era um Édipo, mas sem coragem para furar os meus próprios olhos e fugir da cidade…
Repito: o verdadeiro cego é aquele que não enxerga a sabotagem praticada contra o Brasil!
Viva a Copa das Copas, a maior e mais popular Copa do Mundo da história!
Boa noite Eduardo Galeano pergunta em que o futebol para Deus, para mim o futebol é uma fé, transcende qualquer realidade, assim no futebol, o povo nos seus 90 minutos sonha, reza, chora, abraça sorrir.
Eu defendo que deveríamos ter um curso técnico de preparação de mão de obra para esse segmento, lá nessa escola essa fé chamada futebol, daria aos jovens a oportunidade de estudar e jogar futebol, penso mais alto criaria um secretaria especial de futebol.
Assim amigos tenho fé nessa religião chamada FUTEBOL para dar oportunidade para os futuros jogadores, técnicos, assistentes, massagistas, fisioterapeutas, comentarista, locutores, é muito significativo esse templo chamado estádio de FUTEBOL, meu DEUS é a salvação da juventude brasileira, amém creio nos Deuses da bola.
Viva Eduardo Galeano que entendeu a fé no futebol.