Resenha Estratégica – Vol. 17 | nº 25 | 01 de julho de 2020
Elisabeth Hellenbroich, de Wiesbaden
Em 12 de junho, o sítio Asia Times, sediado em Hong Kong, publicou uma longa entrevista com Steve Bannon, ex-estrategista da Casa Branca e coordenador da campanha vitoriosa de Donald Trump em 2016.
A entrevista foi conduzida pelo vice-editor David Goldman, um especialista em finanças que ocasionalmente contribuiu com artigos para o Wall Street Journal. A principal mensagem de Bannon é a de que “o Partido Comunista Chinês (PCC) deve ser derrubado”, juntamente com o atual governo de Pequim, por ele considerado um governo de “gângsteres”. De acordo com ele, “a China estará no centro da campanha eleitoral de Trump”, na linha “faça os EUA grandes novamente”. Ele destacou que a reta final da campanha será moldada de acordo com o “clássico balcão do globalismo de Joe Biden e da facção de Wall Street do Partido democrático versus o nacionalismo econômico e o populismo de Trump”.
A “sinofobia” de Bannon chegou ao extremo de afirmar que a morte do vigilante negro George Floyd, brutalmente assassinado por um policial de Minneapolis, EUA, há duas semanas, “também foi motivada pelo PCC (Partido Comunista da China)… Sabemos pela autópsia que ele teve covid – 19, que veio do PCC. Se veio de um laboratório ou era parte de um programa de armas biológicas, não vem ao caso (sic)”. Floyd, disse ele, nunca teve acesso a um bom emprego na indústria e tinha acesso a drogas e a dinheiro falso: “Tudo isso vem, essencialmente, de Pequim.”
Escusado dizer que o PCC é uma obsessão de Bannon: “Esse confronto com o Partido Comunista Chinês será o único aspecto definidor de 2020… Eu acho que o PCC é completamente ilegítimo. Eu acho que eles são um grupo de gângsteres.” O que fizeram ao povo chinês, os uigures, os budistas tibetanos, os cristãos, a Igreja Católica Subterrânea, a [seita] Falun Gong e o movimento democrático, é simplesmente “horrível”, disse, exigindo que sejam “confrontados em todos os níveis por todos os governos”. Ele diz esperar uma aliança eficaz contra a China, incluindo o Japão, Coreia do Sul, Índia, Cingapura, Vietnã e Taiwan, e ressalta a militarização do Mar da China Meridional e a mobilização de 10 mil militares na fronteira com a Índia.
Perguntado sobre que conselho desejaria dar a Trump, afirmou: “O PCC está em uma guerra cibernética/ informativa e em uma guerra econômica quente contra os Estados Unidos. E tem estado assim há algum tempo.” Sobre Hong Kong, afirmou, com exagero superlativo: “Hong Kong é a Áustria de 1938, uma situação particularmente volátil.” Ele sugeriu que Trump deveria retirar os acordos comerciais e qualquer coisa que permita qualquer tipo de comércio justo, “bem como sancionar as empresas que fazem negócios com o PCC em Hong Kong. E acho que deveria sancionar os bancos. Eu acho que deveria tornar impossível para o Partido Comunista Chinês usar Hong Kong como mercado de capitais, o que eles fazem há muitas décadas”.
Para ele, tais sanções devem ser semelhantes às impostas pelos EUA ao Irã, mas muito mais severas:
Vamos encarar os fatos, o Irã, a China e o PCC são parceiros… O Irã, os mulás, estão negociando com o PCC. O PCC os mantém flutuando, com as compras de petróleo e os empréstimos. É isso que mantém os mulás vivos. Temos que ter sanções secundárias reais, que sufoquem o sistema financeiro…Minha recomendação: o PCC deve ser cortado de todas as avenidas da tecnologia ocidental.
O motivo citado por Bannon foi a conferência Cinturão e Rota do ano passado, em Pequim, onde, segundo ele, “o PCC tomou a decisão de se separar do Ocidente tecnologicamente. Eles decidiram seguir os seus próprios padrões de tecnologia, virtualmente, ao mesmo tempo. Eles fizeram o vice-primeiro-ministro Liu He dizer ao representante especial de Comércio dos EUA, Robert Lighthizer, que não podiam assinar o acordo em que Lighthizer havia trabalhado para o presidente Trump por 18 meses”. Em vez disto, “todo o foco [do PCC] será controlar a massa terrestre eurasiática com os seus parceiros Paquistão, Irã, Turquia e Rússia. E, uma vez que eles tenham feito isso, ao mesmo tempo, empurrando o Ocidente, empurrando os Estados Unidos, para fora da massa terrestre eurasiática, no Pacífico, pelo menos mil milhas de volta a Guam… eles começaram a se concentrar na Europa, África Subsaariana e Hemisfério Ocidental”. Para ele, a China tomou a decisão de se tornar um hegemon na Ásia e global.
Perguntado por Goldman que conselho daria ao governo chinês, Bannon respondeu:
Meu conselho ao governo da China é bastante simples: dissolva-se. Declare imediatamente que você chegará a uma instituição democrática e a uma forma democrática de governo – reforma imediata da terra, reforma imediata da propriedade pessoal… O povo chinês se encontra, basicamente, submetido à última ditadura do século XX. E as elites globais do mundo são as que têm sido os seus parceiros de negócios… É óbvio que o PCC está em guerra com o seu povo, em guerra com os Estados Unidos, como sabemos pela guerra irrestrita… A visão da guerra deles é muito sofisticada… Eles estão travando uma guerra quente de informações e uma guerra econômica… Eu não acho que a Ásia possa ser livre, até que tenhamos mudado de regime em Pequim. E sou um defensor absoluto disso.
Bannon está convencido de que a próxima campanha presidencial estadunidense será vencida por “quem convencer o povo estadunidense de que pode enfrentar o PCC agora e interromper as suas ações”.
Mesmo fora do governo, Bannon admite que “atualmente, 120% do meu tempo são gastos em derrubar o PCC com o Comitê sobre o Perigo Presente: China [ver a nota seguinte sobre o Comitê – N. dos E.]”.
A razão do seu interesse na China é ostensivamente geopolítica:
Eles adotaram as três teorias geopolíticas do século XX e são a única nação do mundo que tenta fazer tudo ao mesmo tempo. Eles estão fazendo o controle de [Halford] MacKinder, a massa terrestre eurasiática, o Cinturão e Rota. Eles estão adotando a estratégia naval de [Alfred Thayer] Mahan, que a Marinha Real, o Império Britânico e os estadunidenses herdaram, cortando, pegando tudo, tentando obter o controle de todos os pontos de estrangulamento navais, de todos os pontos de estrangulamento marítimos do mundo. E eles estão até fazendo a estratégia das Terras Marginais [ou Rimland, de Nicholas John Spykman – N. dos E.], forçando o Ocidente, forçando as democracias, milhares de quilômetros para fora das Terras Marginais da Ásia. Eles são verdadeiramente um império do mal, assim como os nazistas, assim como os fascistas, assim como os soviéticos… Eles têm uma ditadura totalitária. Eles não pensam em nada no povo chinês.
A rede esotérica extremista de Bannon
Bannon tem uma extensa rede de aliados, agrupados em torno de europeus “tradicionalistas”, que compartilham uma exótica mistura de filosofias, visões gnósticas e ocultistas. No Brasil, é próximo ao principal ideólogo do governo de Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho, atualmente, vivendo nos EUA e dedicado a denunciar o “marxismo cultural” em seu país natal. No ano passado, esteve em vários eventos durante a campanha eleitoral do Parlamento Europeu, gabando-se de suas boas relações com populistas europeus como o italiano Matteo Salvini (Lega), a francesa Marine Le Pen (Front National) e o partido alemão AfD (Alternativa para a Alemanha).
Em maio último, um dos colaboradores próximos de Bannon na Europa, o eurodeputado britânico Benjamin Harnwell, presidente do Instituto Dignitatis Humanae, da ala direita da Igreja Católica, recuperou judicialmente, na Itália, o direito de utilização de uma antiga abadia beneditina, que havia arrendado do Ministério de Assuntos Culturais italiano, para criar uma “Academia de defesa dos valores judaico-cristãos”, para educar jovens lideranças com as ideias e propostas de Bannon. O contrato havia sido anulado pelo ministério, em dezembro de 2019, mas Harnwell o recuperou na Justiça.
Em 19 de junho, o European Conservative Journal publicou um interessante artigo de Jonathan Von Maren, diretor de comunicações do Centro Canadense para a Reforma Bioética, no qual defende a “filosofia” marginal de Bannon. Van Maren baseia sua análise no livro War for Eternity – Inside Bannon’s Far Right circle of Global Power brokers (Guerra para a eternidade: dentro do círculo de figurões de extrema-direita de Bannon), de autoria de Benjamin Teitelbaum, professor estadunidense de Etnomusicologia e estudioso de música nórdica, publicado este ano pela editora Harper Collins. Van Maren retrata Bannon como um “Rasputin”, que ao mesmo tempo “repugna e fascina pela sua insistência em falar em termos simbólicos e frequentemente apocalípticos”. Segundo Van Maren, Teitelbaum sugere que as opiniões de Bannon são “muito mais estranhas do que a maioria das pessoas imagina”. Ele o considera um estudioso do “Tradicionalismo”, concebido como “um terreno comum entre um bando heterogêneo de autodenominados filósofos, excêntricos de extrema direita e operativos [de inteligência] de todo o mundo”. A filosofia compartilhada por eles é vinculada a uma coleção de ideias de ocultistas e esotéricos, como o filósofo francês René Guénon (1886-1951) e o intelectual fascista e tradicionalista radical italiano Julius Evola (1898-1974). Todos esses “tradicionalistas” (que também refletem elementos marginais da extrema direita nórdica) anseiam pelo “desaparecimento da modernidade corrupta e esperam o retorno de uma nova idade de ouro. Eles admitiriam que isto pode exigir uma quantidade enorme de destruição no presente”. Em termos da rede de Bannon, Teitelbaum descreve uma reunião de oito horas que ele teve com o cientista político russo Aleksandr Dugin, autor de vários livros sobre geopolítica e o que chama a “quarta teoria política” (inclusive um em coautoria com Olavo de Carvalho). Na conversa, que terminou de forma infrutífera, Bannon tentou convencer Dugin de que os EUA e a Rússia deveriam estar alinhados contra a China comunista.
Teitelbaum também relata a proximidade de Bannon com Carvalho: “Carvalho é considerado uma figura extraordinariamente importante no círculo interno do presidente Jair Bolsonaro, e muitos acreditam que ele é a força motriz por trás de grande parte da ideologia de Bolsonaro. Bannon e Carvalho acreditam que o Brasil pertence à aliança das nações cristãs ocidentais e não a uma com a China.” É sabido que Carvalho proporcionou contatos de Bolsonaro nos Estados Unidos e o seu próprio envolvimento nos círculos “tradicionalistas” remonta a décadas.
No livro, Teitelbaum afirma: “O tradicionalismo se sobrepõe às agendas políticas populistas das quais Dugin, Bannon e Carvalho participaram: o desprezo por instituições acadêmicas, de mídia e políticas; políticas externas isolacionistas; rejeição do livre comércio e fronteiras abertas; anseio por revolta, além do conservadorismo social padrão.”
De acordo com Von Maren, Teitelbaum diz que, “nos EUA, alguns dizem que Bannon é ‘um zé-ninguém metido a importante’, enquanto outros o veem como o ‘mestre das marionetes’”
O que é o CPD: China
O Committee on the Present Danger: China (CPD: China) é a quarta encarnação de um grupo de pressão de política externa, integrado por pesos pesados de vários setores do Establishment estadunidense, para pressionar o governo em uma dada direção, sempre de acordo com os interesses corporativos do “complexo de segurança nacional” estadunidense, que emergiu no pós-guerra, e com uma inclinação ideológica próxima à da facção “neoconservadora” do Establishment. Os dois primeiros, que estiveram ativos nas décadas de 1950 e 1970, tinham como objetivos primários a “contenção” da extinta URSS. O segundo, fundado em 2004, se dedicava a promover a “guerra ao terror” declarada pelo presidente George W. Bush. O atual foi fundado em março de 2019, tendo a China como alvo primário.
Entre os seus membros, destacam-se, além de Steve Bannon e do vice-editor do sítio Asia Times, David Goldman, o ideólogo neoconservador Norman Podhoretz (ex-integrante do terceiro CPD), Frank Gaffney, ideólogo antiislâmico e fundador do Center for Security Policy, o ex-diretor da CIA James Woolsey e outros de igual calibre. O grupo tem o financiamento de organizações como o American Enterprise Institute, Heritage Foundation, American-Israel Public Affairs Committee (AIPAC) e da Boeing Company.