A pandemia da Covid-19, causada pelo novo Coronavírus, gerou a maior crise humanitária global dos últimos 100 anos. Cientistas do mundo inteiro se envolveram em estudar a doença e encontrar formas de tratamento e prevenção. Começou então uma corrida para o desenvolvimento de uma vacina.
Mais de 100 grupos vêm fazendo esforços para que se chegue a uma vacina eficaz. Entre as cinco iniciativas mais avançadas e com os resultados mais promissores, duas envolvem o uso de um vírus causador de resfriados comuns (um Adenovírus) em cujo genoma foram inseridos genes do novo Coronavírus. As outras três estratégias envolvem a utilização de RNA mensageiro (mRNA) e estratégias mais convencionais envolvendo o emprego do vírus inativado.
Portanto, as três estratégias mais avançadas envolvem a aplicação de engenharia genética, com duas delas propondo o uso de um organismo transgênico, um Adenovírus modificado para expressar uma proteína do Coronavírus, chamada de spike. Esse Adenovírus, quando usado como uma vacina, deverá gerar uma resposta imune no corpo humano com consequente proteção contra a Covid-19. A estratégia de usar uma vacina baseada em um Adenovírus geneticamente modificado é nova, embora outras vacinas com essa tecnologia venham sendo testadas para HIV, influenza, Ebola e malária.
A engenharia genética surgiu nos anos 1970 e vem sendo usada na medicina e agricultura. Na medicina, essa tecnologia vem sendo empregada para a produção de dezenas de fármacos (vacinas, hormônios, silenciadores de genes, fatores de crescimento, anticoagulantes, aminoácidos, vitaminas etc.) e em tratamentos, como as terapias genéticas. Mais recentemente vem-se propondo também na edição de genes, o que permitiria “consertar” genes defeituosos no genoma de pessoas acometidas por doenças genéticas.
Essa mesma tecnologia também vem sendo aplicada desde os anos 1990 à agricultura com o uso de plantas transgênicas. Atualmente mais de 70 países adotam o cultivo dessas plantas biotecnológicas, ocupando uma área de mais de 190 milhões de hectares. Essa foi a tecnologia de mais rápida adoção na história da agricultura, tendo a área plantada crescido 113 vezes desde 1996. Os países com maiores áreas plantadas são os Estados Unidos, Brasil, Argentina, Canadá e Índia.
Dezenas de países cultivam hoje grandes áreas com plantas com as mais diversas características, tais como resistência a vírus e insetos, tolerância à seca e a herbicidas, tornando-as mais nutritivas, com crescimento rápido, flores com novas cores e odores, etc. São mamoeiros, soja, berinjela, algodão, girassol, milho, cana-de-açúcar, maçãs e outras. Peixes com crescimento acelerado vêm também sendo comercializados na América do Norte.
Embora uma área acumulada de mais de 2,5 bilhões de hectares tenha sido cultivada desde 1996, sem que qualquer efeito adverso ao meio ambiente e à saúde fossem atribuídos a essa tecnologia, grupos organizaram-se para se opor ao seu uso. Esses grupos atuam com forte oposição ao emprego da engenharia genética na agropecuária. No entanto, praticamente não há oposição ao uso dessa tecnologia à saúde humana e animal.
Na medicina, até o momento são usadas principalmente proteínas produzidas em organismos transgênicos (insulina, hormônio de crescimento, anticoagulantes, vacina contra hepatite, etc). No entanto, agora está em desenvolvimento com sucesso um organismo transgênico para ser usado como vacina contra a Covid-19, um Adenovírus transgênico. Existe até a possibilidade de uma vacina produzida em plantas transgênicas.
Então, pergunta-se: será que os grupos anti-transgênicos irão usá-la? Antecipo que sim. Nesse momento, o medo da Covid-19 os colocará na pele daqueles que mais necessitam dessa tecnologia. No caso das plantas, os necessitados são os agricultores, mas também ajudam os consumidores e o meio ambiente, com menores perdas e uso mais racional de agrotóxicos.
Outro ponto a considerar é o fato de que a pandemia poderá causar também uma crise global na produção de alimentos. Então, é hora de lançarmos mão da engenharia genética para ajudar no aumento da produção agrícola também em cultivos básicos como o feijão, feijão-caupi, batata e mandioca.
[…] Bonifácio […]
Caro Aragão: são 15 anos que, aqui no Brasil, batemos na mesma tecla. O que mais me impressiona são alguns jornalistas que, agora, por causa da Covid-19 e das evidentes mudanças climaticas, passaram a reverenciar a Ciência, como se ela tivesse sido, por eles, descoberta. Mas transgênicos (!!!), Ah, isso não é Ciência! Por isso, amigo, será longa a trajetória a percorrer. Parabéns pelo artigo.
Belíssima colaboração do meu primo e conterrâneo de Ipu-CE, no campo da ciência, Dr. Francisco José!
Muito oportuna a citação da mandioca pelo nobre pesquisador da Embrapa. Cultura cujas origens estão literalmente arraigadas às origens de nossa gente, a partir dos ameríndios, a Manioht Sculenta, Crantz, euforbiácea nativa agora domesticada com relativa tecnologia de plantio e produção, poderá dar saltos fantásticos de produtividade e qualidade se nela empreendidas iniciativas governamentais de pesquisa de melhoramento genético e adaptabilidade fenotípica às microrregiões do mundo tropical a equatorial, como fonte inesgotável de alimentos e energia renovável para a população pobre desta faixa do planeta. De forte apelo social por viabilizar trabalho e renda nas comunidades interioranas, reveste-se de estratégica e essencial importância para o desenvolvimento econômico e social do Brasil e dos outros países latino-americanos, africanos e asiáticos. Descobriu-se a América do Sul e o Brasil. Mas ainda não se descobriu o ovo de Colombo ou o inhame de Cabral, nossa vigorosa mandioca.