Estados Unidos e China anunciaram a conclusão da fase preliminar do acordo para acabar com a guerra comercial entre os dois países, que já afetava o comércio e a economia mundial.
O acordo consiste basicamente na redução da artilharia pesada tarifária com que ambos os países atingiram uma série de produtos um do outro, e no compromisso chinês de ampliar as compras agrícolas nos Estados Unidos.
O acerto revelado triunfalmente pelo presidente Donald Trump desencadeou uma onda de euforia nos mercados, inclusive no Brasil, com alta da Bolsa e queda do dólar. Mas a bolha de euforia precisa levar em conta que o ajuste anunciado não remove os obstáculos mais importantes que separam Estados Unidos e China de um entendimento abrangente e duradouro. Ao contrário, episódios recentes entre os dois países indicam uma situação de paz armada, denominação dada pelos historiadores ao período percorrido pela Europa entre o final da Guerra Franco-Prussiana e a Primeira Guerra Mundial, quando as desconfianças entre as potências desencadearam a corrida armamentista e a crise econômica que resultaram na carnificina de 1914-1918; ou de guerra híbrida, como parece a que é travada em Hong kong, onde manifestantes com explícito apoio norte-americano desafiam a autoridade chinesa.
Tanto é assim que enquanto os negociadores dos dois países conduziam o pacto para pôr fim à guerra comercial, a Câmara dos Deputados em Whashington aprovava o Uyghur Rights Policy Act, legislação com proposta de sanções contra a China por supostas violações de direitos da população muçulmana na província de Xinjiang.
Em outubro Trump já sancionara uma lei prevendo a punição de autoridades chinesas e de Hong Kong envolvidas na repressão aos protestos que há seis meses ocorrem na cidade. Em retaliação, a China suspendeu a autorização para a presença de navios dos Estados Unidos no porto de Hong Kong.
A pressão de Trump sobre aliados europeus levou dois partidos da base de apoio da primeira-ministra Angela Merkel a apresentarem projeto de lei que praticamente exclui a gigante chinesa de tecnologia Huawei da instalação da rede 5G na Alemanha. A China já anunciou que as montadoras alemãs de automóveis sofrerão retaliações, caso a lei venha a ser aprovada.
No último dia 17 de dezembro, em solenidade concorrida e com a presença do presidente Xi Jinping, a China incorporou à sua marinha de guerra o porta-aviões Shandong, inteiramente fabricado em seus estaleiros, e já informou que está em construção um terceiro navio de uma série de seis.
A liberdade de navegação no Mar do Sul da China e o destino das gigantes chinesas de tecnologia são os verdadeiros desafios para os quais os negociadores dos Estados Unidos e da China não têm solução à vista.
O Brasil pode e deve antecipar os movimentos que o protejam da tensão permanente e incontornável entre os Estados Unidos e a China, e colher das amplas possibilidades de que dispõe nas relações com o poderoso vizinho do hemisfério Norte e com o gigante asiático o melhor resultado possível para o seu desenvolvimento.
Mas, para tanto, precisa alterar o rumo errático da diplomacia praticada pelo Itamaraty e pelo próprio presidente da República, de aliança quase submissa aos Estados Unidos, e de negação de nossa tradição mediadora em política externa.
Estados Unidos e China são as duas maiores forças políticas e militares no mundo atual e sabem impor suas vontades. Nós, por outro lado, sem o respaldo de força militar ou econômica, temos que buscar oportunidades sem envolvimento nesta briga de gigantes. O alinhamento com um ou outro exclui ou dificulta nossas possibilidades.