A política comanda a economia: o trem Brasil rumo ao abismo

    Os pobres do Brasil são excluídos dos cálculos econômicos do ministro Paulo Guedes.

    O assim denominado “mercado” é aquele grupo Rio-São Paulo que a GLOBO e a mídia em geral considera o total da economia brasileira, representado exclusivamente por “economistas de mercado”, de corretoras e bancos de investimento.

    Há anos a GLOBONEWS e a grande mídia não entrevistam alguém do ramo de calçados, linguiça, camisas ou farinha de mandioca, só os rapazes da Faria Lima e do Leblon. Apostaram 110% no Ministro Paulo Guedes como âncora do governo Bolsonaro, uma aposta que foi um grande engano, fruto da gigantesca ignorância histórica, geopolítica, cultural desse grupo de vozes perdidas que acham que a economia pode funcionar em uma redoma, isolada dos problemas sociais e políticos, muito mais amplos que a economia de índices, a única que eles conhecem.

    A aposta em um governo insano com um suposto “sacerdote neoliberal” cuidando da economia é fruto dessa brutal falta de inteligência. Essas pessoas são muito limitadas, conhecem alguns bordões da economia e acham que com isso podem traçar um futuro.

    O Chile acaba de mostrar o engano de se acreditar apenas em indicadores.  Todos os índices no Chile estavam ótimos e, no entanto, a realidade social era outra.

    A POLÍTICA DETERMINA A ECONOMIA

    Ao escolher um chefe de estado absolutamente fora da curva para um grande País, o “mercado” deveria saber de início em que abismo cairia. Acharam que um Ministro da Economia que absorveu quatro Ministérios sem ter tido antes qualquer experiência de vida pública poderia dar certo.

    Era evidente que o personagem não tinha a experiência, a vivência, o preparo intelectual, aquele algo a mais que um grande personagem da política tem. Afinal, JK era médico e foi grande político e Oswaldo Aranha era advogado e foi um excepcional ministro da Fazenda. Eram personagens do Brasil profundo, casados com o Brasil e não com Chicago ou Chile. Tinham um selo na alma do Brasil grande País e não do pequeno grupo carioca do mercado financeiro, que é ainda mais restrito, mais fechado, mais concentrado, mais limitado e menos ligado à produção e à economia real do País do que seu similar de São Paulo, este pelo menos cresceu cercado de indústrias e de um ambiente de produção, de economia real, de agricultura moderna, de diversidade cultural.

    Como consequência de uma série de atos desastrosos no campo do meio ambiente, da educação, da cultura, das liberdades de gênero e costumes, um governo voltado a nichos de adeptos e não ao País sinalizou ao mundo civilizado uma opção pela ideologia. Esse mesmo mundo onde vivem e tomam decisões aqueles investidores que o mercado financeiro quer atrair, MAS que ao perceber o rumo anti-civilizatório, irracional ao ponto de agredir seus próprios interesses domésticos com medidas econômicas destinadas a precarizar ainda mais a rede de proteção social aos pobres que estão ficando miseráveis, esses investidores fogem do Brasil, não só não investem como retiram capital do País, projetando uma tendência perigosa no campo cambial.

    Nos 12 meses terminados em outubro de 2019, o déficit em conta corrente, que reflete a economia real, foi de US$54,8 bilhões, o maior dos últimos quatro anos, enquanto as remessas de lucros e dividendos em 2019 já são 70% maiores do que em 2018. Em seguida, o superávit da balança comercial, que sustenta todo o ciclo, diminuiu de US$43 bilhões em 2018 para US$29 bilhões em 2019, no mesmo momento em que o ministro Paulo Guedes diz que vai reduzir ou eliminar tarifas de importação para tornar a economia brasileira “mais aberta”. Pura ideologia, o que irá reduzir ainda mais o superávit que sustenta toda a política cambial.

    Essa falta completa de rumo, de noção de trajetória na política cambial, vai derreter as reservas internacionais do País, já que a entrada de capital estrangeiro novo deve ser mínima, PORQUE O BRASIL ESTÁ SE ISOLANDO NO MUNDO, por conta de sua ideologia primitiva antiambientalista, anti-humanista, anti-diplomática.

    Na abertura, em 2 de dezembro, da Conferência Mundial do Clima, em Madrid, com a presença de 50 chefes de Estado, foi notada em todos os noticiários da TV europeia a ausência dos presidentes dos EUA e do Brasil, mas os EUA foram representados pela presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, a maior adversária de Trump na política americana e ambientalista convicta, lá estava em nome do povo americano a partir de seu alto cargo e repudiando o negacionismo anticlimático do Presidente de seu país.

    O isolamento do Brasil vai impactar totalmente na economia e vai ser uma barreira ao crescimento do País, enquanto o presidente Trump anuncia o aumento de tarifas contra o aço e o alumínio brasileiros, isso depois de o Brasil ceder unilateralmente a base de Alcântara, dar cotas de etanol e de trigo com isenção de tarifas, liberar de visto cidadãos americanos. Tudo isso de nada adiantou quando Trump defende os interesses dos EUA e não ideologia barata Olavista, o que mostra a lógica óbvia da diplomacia adicional do Brasil, sem amarras ditas ideológicas, que não valem nada em geopolítica.

    Um País perdido politicamente e com claros sinais de autoritarismo assusta e afugenta investidores e os nacionais que podem retirar capital do País.

    É uma enorme ilusão dos “mercados” achar que é possível segregar as questões econômicas do conjunto do governo. De fora se vê o Brasil como um todo, um grande País que só se explica no mundo como um Estado com direção definida, com projeto de País, com metas de crescimento, com uma política harmonizadora dos Poderes e não confrontacionista como método. A articulação política dentro do Estado é a chave do êxito de grandes governos.

    MEDIDAS PROVISÓRIAS

    O atual governo bate o recorde de envio de Medidas Provisórias demais e Projetos de Lei de menos. As MPs só se justificam com um caráter de urgência e nenhuma das enviadas neste governo tem esse caráter, trata-se, portanto, de uma tentativa clara de criar fatos consumados por ato de império. Algumas MPs são de um tal nível de arbítrio que custa a crer possam ter sido assinadas. Uma delas permite ao Executivo, leia-se Ministério da Economia, conceder refinanciamento de dívidas fiscais, leia-se REFIS, à la carte, quer dizer, a quem o Ministério quiser e não conceder a quem não quiser, sem explicações.

    Medida completamente inconstitucional permite a leitura de que por ela se poderá premiar amigos do Governo e só eles. Custa a crer que algo desse nível tenha sido cogitado por algum governo. O envio de MPs em enxurrada já define um caminho autoritário, como se esse ainda precisasse ser provado.

    O presidente brasileiro não foi correspondido na fidelidade jurada aos Estados Unidos.

    O BRASIL NO MUNDO

    Realizou-se a partir de 2 de dezembro em Madri a Conferência Mundial do Clima, originalmente prevista para o Brasil, depois aceita pelo Chile, que sem condições de realizá-la foi novamente transferida, então para a Espanha.

    O Brasil deveria ter sido a estrela dessa Cúpula, por ser a maior potência ambiental, mas esteve no encontro como um País pária, sem protagonismo algum, algo que vai prejudicar o perfil geopolítico do Brasil no mundo, hoje um País a ser evitado por investidores, perdendo protagonismo na América do Sul, onde não será mais árbitro ou maestro de conflitos por ter perdido uma secular equidistância entre soberanias, uma diplomacia de reputação mundial reduzida a escombros por se filiar a seitas obscuras ridículas e  teorias malucas.

    O Brasil que entre 1947 e 1948 presidiu a Assembleia Geral da ONU hoje é um fantasma na própria ONU, com zero prestígio e protagonismo.

    Economia não gira no vácuo e não funciona no espaço, requer a moldura de um Estado forte e respeitado, que garanta a lei e o direito, o que hoje não é definitivamente a situação do Brasil. Enganaram-se redondamente os agentes “de mercado” que acharam ser possível funcionar a economia e ainda crescer porque tinham no Ministério um dos “seus”.

    Países e Estados são entes muito maiores que o “mercado” para o bem e para o mal. Se um navio afunda, os passageiros de primeira classe terão o mesmo destino dos de terceira classe, um país e um barco são unidades indivisíveis. A economia em países organizados depende fundamentalmente do prestígio do Estado, só o “mercado negro” funciona fora do Estado em um caos desregrado.

    OS RESULTADOS NA ECONOMIA

    As tendências dos 11 primeiros meses do governo Bolsonaro indicam que o País NÃO está crescendo e nem tem indicação crescer em algum ponto do futuro, porque falta o MOTOR DE ARRANQUE do crescimento que se dá pela política monetária a serviço do País e não do mercado.

    Os pequenos pulos estatísticos nada têm a ver com prosperidade, o agronegócio é cíclico. Assim como a extração de minérios e a produção de petróleo, tem variações de altos e baixos nos mercados, o que não significa empregos a mais e nem crescimento harmonioso e sadio, micro saltos em indicadores nada significam.

    O PARAISO FISCAL DO BANCO CENTRAL

    Por não ter que servir a projeto algum de País, o Banco Central preparou um plano de reforma do sistema cambial brasileiro. A pretexto de desburocratizar e simplificar regras, instituiu na prática um regime de conversibilidade livre do Real, um atentado a qualquer lógica de política econômica a serviço do País e não exclusivamente para servir ao mercado financeiro.  Nas considerações iniciais do projeto, o BC aponta uma tendência mundial, absolutamente inverídica, que é a defesa pelos bancos centrais de suas moedas e não a livre conversibilidade, e deixam assim os países à mercê dos ataques de especuladores. Uma política desse tipo significa o total abandono de um projeto de País e de uma política econômica nacional.

    O Banco Central quer implantar no Brasil um ambiente de paraíso cambial incompatível com um País emergente, que precisa defender sua população, especialmente aquela parte majoritária necessitada do apoio do Estado para se incorporar a uma sociedade produtiva e evolutiva.

    A grande questão é que uma política econômica é parte de um projeto de País e se este não existe a política econômica serve apenas ao mercado.

    Andre Motta Araujo
    Andre Araujo, advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo, conselheiro da CEMIG-Cia. Energética de Minas Gerais e atualmente é consultor de Potomac Partners, consultoria em Washington.

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