Os Sertões – A intelectualidade estava na praia quando Euclides da Cunha embrenhou-se no sertão. Se todos buscavam na Europa o melhor ângulo para observar a realidade brasileira, o jovem engenheiro saído da Escola Militar foi como repórter do jornal O Estado de S.Paulo à Bahia, em 1897, narrar a Guerra de Canudos. Voltou com um estupendo retrato do povo brasileiro, o livro publicado em 1902.
Em Canudos armara-se um confuso movimento popular, que combinava revolta social, messianismo, monarquismo e um grito de protesto contra o que o historiador Nélson Werneck Sodré qualificou, em História Militar do Brasil, de “malefícios do latifúndio”. A jovem República sofria a sabotagem dos que haviam derrotado o projeto transformador do Marechal Floriano Peixoto, e, reduzindo o Exército a um “simulacro de força organizada”, mobilizou-o para esmagar a duras penas a rebelião de Antônio Conselheiro.
A tragédia de 20 mil mortos não poderia ter cronista melhor. Em estilo áspero-poético, pontuado de observações científicas, botânicas, antropológicas, geográficas, o autor faz soberba descrição do povo brasileiro, e lavra uma ata da consciência nacional. Euclides, que morreria em 1909, divide o livro em três grandes partes – A Terra, O Homem, A Luta. Ficou famosa sua observação de que o “sertanejo é, antes de tudo, um forte.” Apesar de uns desvios preconceituosos, supostamente científicos, correntes na época, que desdenhavam a miscigenação, o escritor de formação militar recruta o homem-mandacaru para a integração nacional. “Esta foi a grande mensagem de Euclides: que era preciso unir-se o sertão com o litoral para salvação – e não apenas conveniência – do Brasil”, disse escritor Gilberto Freire.
Transcrito da Revista Bonifácio nº 2, janeiro-fevereiro-março de 2004