Júlia Marques / Agência Estado
A
Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) lançou na
terça-feira, dia 9, um vestibular voltado para pessoas transgêneras e intersexuais.
Trata-se do primeiro processo seletivo na graduação específico para transexuais.
Outras universidades já haviam estabelecido cotas para esse público, mas dentro
de seus processos seletivos habituais.
De acordo com edital divulgado pela instituição, uma das 68 universidades
federais do País, os candidatos poderão concorrer a 120 vagas nos câmpus do
Ceará e da Bahia. As vagas são para 19 cursos de graduação em várias áreas,
como Administração Pública, História, Enfermagem e Pedagogia. Os selecionados
começarão as aulas no dia 30 de setembro.
Para concorrer, os candidatos terão de redigir um texto com um relato sobre sua
história de vida, trajetória escolar e expectativas sobre o ingresso em uma
universidade pública. Também deverão entregar uma autodeclaração, com a
indicação de sua identidade de gênero (travesti, transexual, não-binário ou
intersexual). As categorias, segundo a universidade, são definidas em glossário
da Organização das Nações Unidas (ONU).
Uma instituição que realiza trabalho com o público LGBT deve confirmar a
autodeclaração do candidato. Os estudantes selecionados nessa etapa terão seus
relatos avaliados e ainda passarão por um teste de redação em Língua
Portuguesa, que pode contemplar temas como os desafios da família
contemporânea, prevenção ao bullying e políticas de inclusão social no mercado
de trabalho e na universidade.
As demais vagas da universidade, voltadas para brasileiros, continuam sendo
ocupadas por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que leva em conta as
notas obtidas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Como a Unilab funciona
em parceria com países lusófonos, para alunos estrangeiros, o processo consiste
em avaliação do histórico escolar e prova de Redação.
Inclusão
O novo vestibular da Unilab foi celebrado por grupos voltados à promoção dos
direitos de pessoas transgêneras e intersexuais. Para Sara York, uma das
coordenadoras do Instituto Brasileiro Trans de Educação, a medida é importante
para garantir o acesso desse público à universidade.
“É para que atenda a uma população que, historicamente, está fora dos
processos escolares em nível nacional e internacional”, diz ela, que é
travesti e mestranda em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(Uerj).
A proporção de graduandos nas instituições federais de ensino superior que se
declaram trans
é de 0,2% do total em todo o País, segundo a última pesquisa sobre o perfil
socioeconômico dos estudantes, realizada pela Associação Nacional dos
Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
“Alunos transexuais
e travestis, bem como alunos intersexo, ao alcançarem a puberdade, tem maior
dificuldade porque as próprias representações dentro do campo educacional são
inexistentes”, comenta Sara. Para ela, a entrada de estudantes trans
também amplia a diversidade no câmpus. “Ao inserir esse aluno, há uma
série de mudanças de todos que compõem o espaço, o corpo docente, o discente.
Todo mundo melhora.”
Outras iniciativas
Outras iniciativas para inclusão de pessoas transgêneras em
universidades públicas já foram adotadas, mas com menor alcance do que a
proposta da Unilab. No ano passado, por exemplo, a Universidade Federal do Sul
da Bahia (UFSB) abriu edital de vestibular com cotas para transexuais,
travestis e transgênero.
Na sequência, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) abriu edital com reserva
de vagas para negros e sobrevagas para indígenas, quilombolas, ciganos, pessoas
com deficiência, transtorno do espectro autista e altas habilidades, transexuais,
travestis e transgênero.
A Universidade Federal do ABC (UFABC), na Grande São Paulo, também reservou
vagas para pessoas transgêneras no ano passado. E, neste ano, a
Universidade Federal da Bahia (UFBA) abriu cotas a indígenas, quilombolas e pessoas
trans.
Cotas para trans
na pós-graduação também têm se tonado mais comuns nos últimos anos.
Universidades como a Federal de Santa Catarina (UFSC), a Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) já adotaram essa modalidade
de seleção em cursos de mestrado e doutorado.
Resistência
As iniciativas, porém, enfrentam resistências. Um dos editais, que reservava
duas vagas na pós-graduação da UFRJ para pessoas que se autodeclaravam
travestis e transexuais,
chegou a ser suspenso no ano passado após ser contestado por uma ação popular
movida pelo pastor Tupirani da Hora Lores.
O juiz federal Antonio Henrique Correa da Silva, entendeu que houve
“possível comprometimento do caráter público da seleção”. Somadas a
outras cotas, segundo o juiz, mais da metade das vagas em disputa estavam
subtraídas à ampla concorrência. Para o juiz, houve um esvaziamento do
“critério universal do acesso aos níveis superiores do ensino segundo a
capacidade de cada um”.