Uma década difícil para os países pobres

    (Foto: Jornal Correio do Brasil)

    Duas matérias da revista inglesa “The Economist” (How the world’s poor stopped catching up (21/9/2024) e The world’s poor countries have experienced a brutal decade (19/09/2024)) chamam atenção para o fato de na última década (2015-2024) o processo de redução do fosso entre países ricos e países pobres, que ocorreu entre 1995 e 2015, perdeu força. Segundo a revista, “Quase todos os progressos na luta contra a pobreza foram alcançados nos primeiros 15 anos da década de 2000.”

    Segundo a revisa “em 2022, apenas um terço das pessoas deixou a pobreza extrema do que em 2013. O progresso nas doenças infecciosas, que prosperam nos países mais pobres, diminuiu drasticamente. Se a parcela de pessoas que contraem malária, em países que têm a doença, tivesse continuado a cair no mesmo ritmo de 2000 a 2012, teria havido metade dos casos que de fato houveram em 2022. A mortalidade infantil no mundo em desenvolvimento despencou de 79 para 42 mortes por 1.000 nascimentos entre 2000 e 2016. No entanto, em 2022, o número caiu apenas um pouco mais, para 37. A parcela de crianças em idade escolar primária na escola em países de baixa renda congelou em 81% em 2015, tendo aumentado de 56% no ano 2000. A pobreza é coisa do passado em grande parte da Europa e do Sudeste Asiático; em parte significativa da África parece mais arraigada do que em décadas.”

    Embora alguns indicadores importantes relacionados a renda, educação e saúde tenham continuado a melhorar na última década, o seu andamento arrefeceu tornando cada vez mais difícil para os países pobres superarem o fosso que os separa dos países ricos. Entre as causas apontadas para essa diminuição no processo de convergência foi a redução no ritmo de crescimento econômico. Segundo a revista, “Os 58 países mais pobres do mundo – lar de 1,4 bilhão de pessoas – cresceram 3,7% ao ano entre 2004 e 2014, contra um aumento médio anual de apenas 1,4% no clube da OCDE, em sua maioria países ricos. Desde 2015, no entanto, a riqueza de um país não teve influência em seu desenvolvimento econômico, de acordo com Paul Collier, da Universidade de Oxford.”

    Os artigos chamam a atenção para o fato de que após grande parte do Leste Asiático e da Europa Oriental ter superado a barreira da pobreza, seria de se esperar que uma nova geração de países em rápido crescimento poderia ter suplantado o fosso não fosse por uma série de choques, como a pandemia de Covid-19 e os aumentos das taxas de juros que se seguiram, para reduzir a inflação, que começaram a apertar os orçamentos e arrastar o investimento. Também teria contribuído o fato de que mudança climática aumenta a pressão sobre os países pobres, assim como o aumento do número de conflitos em todo o mundo.

    O artigo chama atenção para o fato de a preocupação dos países ricos ter se voltado para a questão do clima e dos migrantes e sobre menos dinheiro para ajuda humanitária para os países muito pobres. Segundo a revista, “A competição por financiamento só crescerá na medida em que as mudanças climáticas e os problemas dos refugiados do mundo rico se tornarem mais prementes. No ano passado, por exemplo, os fluxos globais de ajuda no papel aumentaram 2%. No entanto, 18% do total da ajuda bilateral foi gasto por países ricos que cuidam de refugiados em seu próprio solo – uma lacuna que poucos países aproveitaram até 2014. Outros 16% foram gastos com o clima, acima dos 2% de uma década atrás. No total, os 72 países mais pobres do mundo atraíram apenas 17% da ajuda bilateral, abaixo dos 40% de uma década atrás.”

    O que os artigos deixam evidente é que a ajuda externa pouco contribui para que esses países engrenem processos sustentados de crescimento econômico. Na verdade, a melhora experimentada nos primeiros 15 anos do século 21 se deveu, em grande medida, ao ciclo de valorização das commodities minerais e agrícolas que ocorreu nesse período que não apenas impulsionou a economia desses países como um todo, como também melhorou a arrecadação de impostos, permitindo aos governos gastarem mais em programas sociais e em serviços públicos.

    Ou seja, a superação da pobreza não será alcançada pela caridade dos países ricos, mas pelo esforço dos países, explorando seus próprios recursos. Nesse sentido, é importante destacar que muitas das propostas dos países ricos, agora focados na questão climática, para os países pobres, tendem a perpetuar a pobreza e atraso econômico nos países pobres. Compensar os países pobres com doações financeiras pelos chamados “serviços ambientais”, ou seja, para bloquearem a exploração de seus recursos naturais ou a realização de projetos de infraestrutura é uma saída conveniente para os países ricos que possam continuar a manter seu modelo econômico agressor do meio ambiente enquanto negam aos países pobres o direito de se desenvolver. Não se pode, evidentemente, negar a urgência da questão climática. O que deve ser questionado, contudo, é a saída proposta pelos países ricos de transferir a responsabilidade pela salvação do planeta para os países pobres enquanto eles próprios relutam em fazer qualquer coisa que altere seu modo de vida.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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