Quando uma pessoa da importância de Henry Kissinger morre aos 100 anos, seria de esperar, pelas convenções, destacassem-se em seu obituário as coisas boas que eventualmente tenha feito e suas principais realizações. Não que não haja, pois Kissinger, com sua obsessão pela estabilidade nas relações internacionais, cumpriu um papel importante tanto para o desfecho da Guerra Fria como para a normalização das relações entre China e Estados Unidos.
Nos últimos tempos vinha sendo crítico tanto da postura americana na guerra na Ucrânia quanto da paranoia dos Estados Unidos em relação à China. Em entrevista recente à revista inglesa The Economist, por exemplo, voltou a destacar que o interesse da China não era o de tomar o lugar dos Estados Unidos na cúspide da ordem internacional, mas apenas encontrar espaço para acomodar seus próprios interesses. Como afirmou na ocasião, “a China via a ordem baseada em regras como as regras e a ordem dos EUA. Queria espaço para se ajustar, não para derrubar completamente o sistema”. Mas o fato é que sua obsessão pela estabilidade do sistema liderado pelos Estados Unidos o levou a adotar uma posição tão cruamente realista que melhor poderia ser caracterizada como cínica. E houve vozes influentes, sobretudo nos próprios Estados Unidos, que preferiram destacar esse último aspecto, lembrando, por exemplo, seu papel no golpe militar do Chile, na guerra do Vietnã, entre outros episódios macabros, nos quais a morte de milhares de pessoas era, para ele, plenamente tolerável e justificada para alcançar os fins a que se propunha. Será, assim, lembrado por uns, como, talvez, o mais importante diplomata do século 20 e, por outros, como um hipócrita e genocida.