O discurso do presidente Figueiredo na Assembleia Geral da ONU em 1982, sua importância e atualidade

Presidente João Figueiredo - Foto: Orlando Brito

Já se passaram 38 anos do histórico discurso do presidente João Figueiredo na sessão de abertura da XXXVII Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, quando o mandatário brasileiro e o chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro reafirmaram a política externa independente e de não alinhamento com as superpotências da época, os Estados Unidos e a União Soviética.

Na verdade, o presidente brasileiro retomava no seu pronunciamento as linhas estabelecidas pelo célebre embaixador Araújo Castro em outra sessão de abertura da ONU, na XVIII Assembleia Geral, em 1963, que ficou conhecido como discurso dos três “D”, de “desarmamento, desenvolvimento e descolonização”.

Embora a doutrina orientadora das orações do presidente Figueiredo e do embaixador Araújo Castro permaneça plena de atualidade, a orientação da política externa brasileira hoje choca o País e o mundo pela submissão aos interesses geopolíticos do presidente norte-americano Donald Trump.

A seguir, a íntegra do discurso:

XXXVII Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas 1982

Presidente João Figueiredo

Senhor Presidente,

Em nome do Governo e do povo do Brasil, desejo congratular-me com Vossa Excelência por sua eleição para a Presidência da Trigésima Sétima Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Saúdo vivamente os ilustres representantes dos Estados-Membros congregados nesta sala.

Estendo minhas calorosas saudações ao Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas, Embaixador Javier Pérez de Cuellar, brilhante diplomata que honra a América Latina.

Apresento ainda sinceros agradecimentos ao Senhor Ismat Kittani, Representante do Iraque, que presidiu de modo seguro e hábil os trabalhos da Trigésima Sexta Sessão.

Neste momento, em que vai iniciar-se o debate geral, manifesto a esperança de que esta Sessão da Assembleia Geral contribua, eficazmente, para a solução justa das controvérsias que abalam a paz e a segurança internacionais, e para a superação das ameaças à estabilidade da economia mundial.

Há algumas décadas, uma depressão econômica sem precedentes e tensões políticas incontroladas levaram a uma guerra catastrófica. A sociedade de Estados soberanos resolveu então criar, em 1945, uma vasta rede de instituições, destinadas à cooperação entre os Estados, para evitar a repetição de crises econômicas de tal profundidade, promover o desenvolvimento econômico e social, aliviar as tensões políticas e poupar as gerações seguintes do flagelo da guerra.

O presidente João Figueiredo reafirmou na ONU o célebre discurso do embaixador Araújo Castro.

Reaparecem hoje sinais que lembram de forma dramática as experiências da década de 30. Nova crise econômica, que atinge indiferentemente países de sistemas distintos, mostra-se refratária às terapias ortodoxas e assume dimensão global.

Criada para examinar e dirimir controvérsias entre os Estados, a Organização das Nações Unidas, paradoxalmente, se viu transformada, com excessiva frequência, em palco de confrontações estéreis.

Sabemos, porém, que outras formas de condução da vida internacional dependem, inevitavelmente, do arbítrio dos Estados mais poderosos, que, às vezes, se contrapõem à causa da liberdade e da justiça entre as nações e entre os homens.

Diante desse quadro o Brasil reitera seu compromisso de, com os demais países-membros, fazer das Nações Unidas um verdadeiro centro de harmonização das ações dos Estados.

Não hesito em conclamar todos os Governos aqui representados a que observem estritamente, no âmbito internacional, os propósitos e princípios que orientam nossa Organização.

Lanço veemente apelo a que de novo nos congreguemos na tarefa de construção da paz.

Não há, nem pode haver, futuro no triste e inaceitável sucedâneo que é o equilíbrio do terror. Não é possível persistirmos na ilusão de que a harmonia mundial poderá alicerçar-se no excesso de capacidade de destruição.

 Decênios de encontros e tentativas de negociação não impediram o aumento, o aperfeiçoamento e a diversificação dos arsenais nucleares, capazes de destruir a humanidade de diversas formas, em diversas circunstâncias, por diversas vezes.

Vejo, com enorme apreensão, a persistência da crise no Oriente Médio, cujos aspectos mais salientes são, neste momento, o conflito entre o Iraque e o Irã e as sequelas da ação militar que vitimou o Líbano, país com que mantemos profundas e fraternas relações. Ainda recentemente, a opinião mundial ficou profundamente chocada com o massacre de civis palestinos em Beirute. Sabemos todos que a questão do Oriente Médio só encontrará solução quando forem desocupados os territórios árabes hoje sob ocupação militar e for reconhecido o direito do povo palestino a um Estado soberano, assim como o direito de todos os países da região, inclusive Israel, a viverem em paz, dentro de fronteiras reconhecidas.

Também na África Austral persistem focos de tensão gerados pela ocupação da Namíbia, e por sucessivos atos de agressão a países independentes, notadamente Angola. O Brasil não pode deixar de condenar igualmente a discriminação racial, em particular suas formas institucionalizadas, que ameaçam a própria paz internacional.

O êxito dos atuais entendimentos com o objetivo de alcançar rapidamente a independência da Namíbia, com base nas resoluções das Nações Unidas, é o verdadeiro caminho para a remoção de tensões que tanto têm entravado as justas aspirações dos povos da área ao desenvolvimento econômico e à autêntica independência.

Meu país vê com grave preocupação a ampliação do processo de transferência para as regiões menos desenvolvidas das tensões geradas pela confrontação entre as superpotências. A política de prestígio e de poder com relação ao Terceiro Mundo engendra divisões e afeta seriamente as propostas de cooperação entre as nações em desenvolvimento. É firme a posição brasileira – e, para tanto estamos dispostos a prestar nossa contribuição – que esse processo deve ser urgentemente estancado e revertido.

Não se pode aceitar que, em razão da política de blocos, ocorra a ocupação de países soberanos e a interferência em seus assuntos próprios e se imponham limites à sua liberdade, como sucede no Afeganistão. A rejeição do uso da força deve aplicar-se diretamente aos principais focos de tensão de nossos dias.

Na América Central, recrudescem manifestações de uma crise profunda, de proporções históricas e de alcance social, político e econômico. O Brasil, consoante os princípios de autodeterminação dos povos e de não ingerência em assuntos internos de outros países, crê que a solução política do problema compete aos povos afetados, livres de toda interferência externa, ainda que velada. No campo econômico, não é possível isolar as dificuldades da América Central da crise mundial, nem minimizar a responsabilidade dos países industrializados pela criação de condições propícias à retomada do desenvolvimento econômico e social. A paz e a estabilidade nessa região são pressupostos da boa convivência hemisférica.

No Atlântico Sul, assistimos recentemente à marcha dolorosa das engrenagens da violência. O meu Governo desenvolveu consideráveis esforços, nos últimos meses, em prol de uma solução política e duradoura para a questão das Ilhas Malvinas e estamos determinados a dar-lhe prosseguimento, no interesse da paz, da segurança e da concórdia entre as Nações. O Brasil reconhece hoje, como desde o início desta controvérsia, no ano de 1833, os direitos soberanos da República Argentina sobre as Ilhas Malvinas e defende, como sempre fez, a necessidade da realização de negociações como meio adequado para a solução desse problema.

Ressalto, pois, a importância do exame da questão das Malvinas pela Assembleia Geral, que requer, como passo vestibular de seu encaminhamento, a implementação integral da Resolução 502 do Conselho de Segurança. É tempo de que os que com tanto vigor condenaram o emprego da força para a solução de controvérsias demonstrem a coerência e a autenticidade de seus propósitos.

É necessário que se iniciem negociações para afastar o risco de tensões crescentes em área cuja vocação é a cooperação e prosperidade.

O Brasil vive em paz com seus vizinhos imediatos, com a América Latina e com todas as nações que respeitam as bases da convivência internacional.

As relações entre o Brasil e os países amigos da América Latina constituem, na verdade, claro testemunho do êxito que se obtém quando se opta francamente pelo caminho do respeito mútuo, da não interferência e da busca da convivência harmônica e profícua, acima de controvérsias ou divergências tópicas.

Como parte da América Latina, o Brasil está certo de que seus vizinhos saberão resolver suas divergências, mesmo as de natureza territorial, por meios pacíficos e conciliatórios, e espera que os países-irmãos da América Latina reforcem sua capacidade de diálogo e entendimento regional. Devemos todos trabalhar para que nossa região alcance níveis superiores de desenvolvimento, entrosamento e desempenho positivo na cena mundial.

Senhor Presidente,

Com os países-irmãos da África, nossos vizinhos do outro lado do mar, aos quais nos liga uma história comum, o Brasil tem por objetivo desenvolver as mais profundas, diretas e cordiais relações. Propósitos igualmente amistosos movem nossa política de aproximação com as demais nações do Terceiro Mundo.

O chanceler Ramiro Saraiva Guerreiro orientou o discurso do presidente Figueiredo na ONU e a tradição de competência da diplomacia brasileira.

Integrado no mundo ocidental, o Brasil deseja realizar suas aspirações nacionais com pleno respeito à liberdade, à democracia e aos direitos da pessoa humana. Esses altos valores, bem como a tradição ocidental de pluralismo e de igualdade entre as nações, formam um quadro que faculta ao Brasil atuar fora do constrangimento hegemônico de superpotências ou de pressões ideológicas adversas.

Com os países do Leste, o Brasil busca manter um relacionamento correto, em particular no campo econômico e comercial, com base no interesse mútuo e no respeito recíproco ao princípio de não ingerência nos assuntos internos.

Para meu país, paz e desenvolvimento não constituem ideais dissociados dos nossos objetivos e ações de política externa. O Brasil efetivamente trilha a rota do universalismo, da boa convivência e da dignidade nacional.

Senhor Presidente,

É a gravidade da situação internacional que traz às Nações Unidas, pela primeira vez, o Presidente da República Federativa do Brasil.

Nunca, na história da Organização, foram tão sérios os riscos e ameaças à paz, à segurança e ao progresso das nações. Nunca foram tão grandes e tão importantes os desafios.

Conclamo os Governos de todos os Estados-Membros para que, juntos, empreendamos um esforço resoluto no sentido de enfrentar os problemas internacionais que se avolumam e de fazer retroceder as forças que conduzem à desesperança.

É nosso dever comum corresponder às expectativas de nossos antecessores, que, havendo experimentado eles próprios as duras consequências da desorganização política, da depressão econômica e da guerra, comprometeram seu empenho e o nosso na promoção da paz e do desenvolvimento.

São demasiadas as deficiências do atual ordenamento internacional. Trata-se de um quadro pobre em realizações e rico em problemas; pobre em criatividade e rico em manifestações de desorganização; pobre, enfim, em eficácia e justiça e rico em desperdício e desequilíbrios. Não posso ficar indiferente a esse quadro. É imperativo corrigir os graves defeitos que nele sobressaem.

A sociedade das nações é essencialmente uma comunidade política. Como não se pode, ao nível nacional, decidir sem consulta aos interesses e anseios do povo, tampouco se pode, neste foro, fazer tabula rasa das reivindicações justas e legítimas da grande maioria das nações e preservar as estruturas verticalizadas de poder internacional.

É crucial o papel político das Nações Unidas na luta contra o conformismo, a intransigência e as ambições de vitória absoluta. Só nesta Organização pode gerar-se a convivência democrática entre os Estados.

Senhor Presidente,

A vertiginosa liberação de forças produtivas em escala planetária no pós-guerra, construiu, em questão de poucas décadas, a intrincada tessitura de um mundo diferente, mais complexo e instável, mas também mais diversificado e promissor. Em consequência, a interdependência entre as nações tornou-se uma necessidade histórica.

Foram poucos e insatisfatórios, contudo, os aperfeiçoamentos que conseguimos introduzir nas estruturas de convivência internacional.

Manifesta-se, lamentavelmente, uma regressão até mesmo nos débeis esforços de cooperação internacional para o desenvolvimento. A interdependência entre as nações parece por vezes degenerar em tentativas de reconstrução de quadros hegemônicos ou sistemas de subordinação, que em nada contribuem para a prosperidade, seja do mundo industrializado, seja do mundo em desenvolvimento. Como em muitos casos praticada, a interdependência parece reduzir-se a um novo nome para a desigualdade.

Os interesses do Norte e do Sul não são contraditórios. Na verdade, não há uma crise profunda do próprio sistema econômico internacional. É a mesma situação que afeta a ambos, situação terrivelmente adversa e da qual só sairão pelo caminho do entendimento e da solidariedade, nunca pelo retorno à acrimônia e à confrontação.

O desafio que a todos os países se coloca é o de como se ajustarem às novas realidades dos anos 80.

Para o Norte, trata-se de compreender em toda sua extensão – e em seu potencial de enriquecimento para o comércio internacional – o fato inelutável da definitiva emergência do Terceiro Mundo como parceiro dinâmico, e sua busca de uma posição de maior destaque no cenário da economia mundial.

Quanto ao Sul, é chegado o momento de darmos expressão efetiva à coesão que temos sabido preservar para além das dificuldades externas e diferenças internas. É necessário caminhar para a implantação de uma interdependência verdadeiramente solidária entre a América Latina, a África e a Ásia.

Devemos deixar claro – por nossas ações como por nossas palavras – que a diversidade do Terceiro Mundo encerra insuspeitas oportunidades de complementaridade econômica, e é fator de união, não massa de manobra para iniciativas – como a discriminação arbitrária entre os países em desenvolvimento – que visam a desfazer ao mesmo tempo a coesão do Terceiro Mundo, a cooperação internacional para o desenvolvimento e o diálogo Norte-Sul.

A diplomacia independente manteve o Brasil equidistante das duas superpotências: Estados Unidos e União Soviética.

Precisamos, também, demonstrar plenamente nossa capacidade de buscar, com serenidade e espírito construtivo, o encaminhamento de nossas postulações. Essas, por mais justas que sejam, não nos devem levar a atitudes negociadoras rígidas e maximalistas – sob risco de assim acabarmos por enfraquecer nossos próprios princípios e ideais, a exacerbar ainda mais a intransigência que caracteriza alguns setores do mundo desenvolvido.

Senhor Presidente,

Têm sido infrutíferos os esforços do Terceiro Mundo no sentido de modificar – em instituições como o FMI, o Banco Mundial e o GATT, entre outras – quadros normativos, estruturas de decisão e regras operacionais discriminatórias.

Postulações repetidas há anos ou mesmo décadas chocam-se contra a impenetrável muralha do poder de veto de uns poucos, capaz de sobrepor-se às mais óbvias considerações de racionalidade ou às mais fundadas pretensões de equidade.

Onde estejam em pauta interesses das grandes potências, entretanto, multiplicam-se as iniciativas.

Não convém mobilizar o GATT em direção a novas tarefas normativas, em áreas como as de exportação de serviços e de políticas de investimentos, visando à criação de regras que poderiam dificultar o acesso dos países em desenvolvimento aos mercados internacionais e, até mesmo, sua capacidade de ordenação dos próprios mercados internos. Ao mesmo tempo, não se podem deixar de lado questões fundamentais relacionadas com o aprimoramento daquele organismo e com o atendimento de reivindicações de seus participantes em desenvolvimento.

Em foros de natureza financeira, são definidas – e por vezes adotadas contra a maioria, por força de sistemas decisórios defeituosos – medidas que restringem a flexibilidade das operações, aumentam as exigências de condicionalidade e discriminam os países em desenvolvimento.

Paradoxalmente, certos países procuram manter seu controle sobre organizações que parecem condenar, senão ao desaparecimento, pelo menos à insignificância, tão grande é a assimetria entre as necessidades crescentes de seus filiados em desenvolvimento e os recursos financeiros colocados à sua disposição.

Os princípios do livre-comércio não podem limitar-se – seletiva e arbitrariamente – aos fluxos de capital, enquanto permanece cerceada a transferência de tecnologia e se inibe a capacidade de atuação por parte dos países em desenvolvimento importadores de capital.

A interdependência não pode ser conceito inimigo das soberanias nacionais.

Aos países em desenvolvimento, que por tanto tempo se bateram pela soberania permanente sobre seus recursos naturais, abre-se hoje o novo desafio de preservar a soberania sobre o seu espaço econômico próprio.

Tal não significa, contudo, que aos países em desenvolvimento seja aconselhável a hostilidade, ou sequer o desinteresse, quanto a maior interação no plano internacional, mesmo no que se refere aos fluxos de capital e tecnologia e às operações das transnacionais. Pelo contrário.

É inegável que a imensa maioria dos países em desenvolvimento – a começar por aqueles de expressão nitidamente ocidental, como o Brasil, mas incluindo outros de diferente conformação político-econômica – aspiram ao estreitamento e diversificação de suas ligações com o ocidente desenvolvido, fonte valiosa de fatores de produção necessária a seu desenvolvimento.

A preservação e fortalecimento do espaço econômico nacional desses países não limitará a expansão do sistema econômico internacional. Será, sim, fator de alargamento do espaço econômico global, para benefício de todos

Senhor Presidente,

Impossibilitado, por motivo de saúde, de comparecer à Reunião de Cancún, acompanhei aquele acontecimento com interesse e esperança, e até com emoção.

Não posso, por isso, aqui deixar de expressar, em nome do Governo e do povo brasileiro, o sentimento de profundo desencanto diante da inexistência, até esse momento, de qualquer seguimento prático ao encontro de Cancún. Vemos com ansiedade, ao contrário, a continuada – até acelerada – erosão dos instrumentos e instituições que deveriam dar solução aos problemas internacionais.

Vemos com preocupação ainda maior a resistência de importantes setores do mundo desenvolvido ao que havia sido a grande conquista conceitual de Cancún: o reconhecimento do fato de que os caminhos da solução da atual crise passam também pelos rumos do Sul, e devem transitar pela rota da cooperação entre as nações, e não depender apenas das incertezas do mercado. A crise que vivemos é global em mais de um sentido: atinge praticamente a totalidade dos países e é, ao mesmo tempo, financeira e comercial. Além de ampla, é profunda: o investimento produtivo está sendo asfixiado em escala planetária, ao impacto das elevadas taxas de juros e das incertezas sobre as perspectivas do comércio e do sistema financeiro internacionais.

Os ideais do livre-comércio não podem ser contraditórios com a preservação e mesmo o reforço da autonomia dos países do Terceiro Mundo.

Tudo se passa como se subitamente se houvesse paralisado uma grande potência econômica do mundo desenvolvido: 30 milhões de trabalhadores altamente qualificados estão desempregados na América do Norte e Europa Ocidental.

Mas o efeito de tal situação de crise sobre os países do Sul é ainda mais devastador. As economias em desenvolvimento não exportadoras de petróleo experimentaram nos últimos três anos uma deterioração de relações de troca jamais observada em sua história. Vale dizer, os esforços exportadores crescentes vêm sendo neutralizados com ingressos decrescentes de divisas, que configuram uma verdadeira espiral de pauperização.

Anos de paciente investimento na criação de uma infraestrutura exportadora, que vinha permitindo aos consumidores dos países desenvolvidos adquirir produtos do Sul em condições vantajosas, são desbaratados por barreiras protecionistas intransponíveis.

A persistência de altas taxas de juros retira a rentabilidade financeira de investimentos de longa maturação já efetuados, e ameaça inviabilizar economicamente projetos indispensáveis à superação das dificuldades atuais.

A elevação do custo de serviço da dívida externa cria para alguns países situações insustentáveis, como demonstram acontecimentos recentes que afetaram, de forma dramática, alguns dos mais promissores países do Sul.

Todo esse sacrifício ainda poderia ser tolerado se, em decorrência, a recomposição da ordem econômica internacional pudesse ser vislumbrada num horizonte de tempo razoável. Infelizmente, este não é o caso. A política econômica das grandes potências está destruindo riquezas sem nada construir em seu lugar. O enrijecimento dos fluxos financeiros e o processo de inibição das trocas internacionais destroem as perspectivas de superação das dificuldades presentes.

O momento impõe-nos a todos uma atitude recíproca de compreensão e flexibilidade. O diálogo Norte-Sul deve ser revigorado com urgência. Aos esforços a longo prazo – para o que se faz tão necessário o lançamento das negociações globais – é imperioso acrescentar desde logo a discussão dos aspectos de curto prazo da crise.

A definição da economia do futuro passa pela superação dos problemas do presente. A tarefa de reformular o sistema econômico internacional é impostergável, mas, nas atuais circunstâncias, temos de iniciá-las pelo esforço de evitar a própria derrocada do sistema.

Para tanto, é essencial que nas principais organizações internacionais se inicie, desde logo, um exame integrado e objetivo das medidas de emergência que se afigurem viáveis para o desafogo dos fluxos internacionais de comércio e finanças.

É imprescindível que os países desenvolvidos se disponham a tomar iniciativas com os seguintes objetivos: – Liberalizar o comércio; – Expandir os fluxos financeiros internacionais; – Adotar nova política de juros, e iniciar com urgência o trabalho de revisão do sistema monetário internacional.

Os países em desenvolvimento, por sua tendência estrutural ao déficit em conta-corrente, não podem ser os primeiros a eliminar as barreiras comerciais, com o que estariam apenas agravando seus déficits, sem criar um impulso suficiente para a recuperação da economia mundial. É preciso que os países desenvolvidos aceitem como inevitável a reestruturação de suas economias. Somente quando os países desenvolvidos abrirem mão da proteção de setores que deixaram de ser competitivos, poderão os manufaturados dos países em desenvolvimento ocupar seu lugar nos mercados internacionais, em benefício dos consumidores do Norte e dos produtores do Sul.

É urgente aumentar ao mesmo tempo a disponibilidade de recursos sob controle das entidades financeiras internacionais e a participação das autoridades monetárias na preservação da liquidez e estabilidade do sistema financeiro internacional. Só assim poderá a comunidade internacional – e os países em desenvolvimento em particular – livrar-se da camisa de força representada pela contração simultânea do comércio e dos fluxos financeiros de natureza oficial.

Na A Assembleia Geral da ONU Figueiredo declarou que o Brasil reconhece os direitos soberanos da Argentina sobre as ilhas Malvinas desde 1833.

Quanto à questão das taxas de juros, não há divergência necessária entre os objetivos maiores da política econômica dos países do Norte e um gerenciamento de suas taxas de juros compatível com a viabilidade econômica e financeira das economias em desenvolvimento. Na verdade, atende aos interesses de todos evitar que a desarticulação das economias em desenvolvimento acarrete um efeito desestabilizador indesejável sobre os países do Norte.

De outra parte, é forçoso reconhecer que uma das condições essenciais para a reativação do comércio mundial é a recuperação de um mínimo de estabilidade no sistema monetário internacional, que não pode constituir-se num fator de turbulência, deixado ao arbítrio das variações unilaterais de política econômica de umas poucas grandes potências.

A solução da presente crise não é uma questão de ajuda para os países em desenvolvimento. Trata-se, sim, de assegurar condições para que eles possam saldar seus compromissos com a justa remuneração de seu trabalho.

Senhor Presidente,

Aqui venho para expressar as mais legítimas aspirações de meu país. Move-me acima de tudo a preocupação de assegurar o bem-estar de meu povo. Vimos realizando um esforço notável de desenvolvimento econômico, com resultados promissores que enchem de esperança não só o povo brasileiro, mas também todos os povos que anseiam por conquistar níveis de vida compatíveis com a dignidade humana e com o grau de desenvolvimento social, econômico, científico e tecnológico de nossa época.

É minha obrigação buscar condições internacionais propícias ao prosseguimento deste nobre esforço em que se empenha o meu povo, pois o Brasil não abrirá mão do lugar que lhe cabe no concerto das nações.

Espero que a concorrência vinda do Sul seja compreendida como expressão válida do dinamismo político e econômico dos povos que aspiram ao desenvolvimento. Que essa concorrência não seja pretexto para a acomodada preservação de padrões de relacionamento iníquos e ineficientes, mas sim impulso para a busca corajosa da renovação.

Estou convicto de que os Estados mais poderosos saberão responder de modo criativo à nova realidade consistente na emergência do mundo em desenvolvimento como parceiro ativo nos múltiplos cenários da vida internacional.

Tenho inabalável confiança na capacidade de renovação da sociedade internacional.

Hoje, contudo, o clima de conflito entre as nações, nos campos político e econômico, atinge níveis ameaçadores. É neste momento que se faz sentir, em toda a sua força, o imperativo moral e político da cooperação internacional, para que possam ser assegurados, de forma racional, os destinos da sociedade das nações.

A consciência de que a comunidade internacional hoje enfrenta o mais amplo desafio à sua capacidade de ação impõe esforços ingentes e impostergáveis nos seguintes campos:

– Solução, por via de negociação, das tensões e disputas que envenenam o panorama internacional, tanto no plano Leste-Oeste quanto em áreas do Terceiro Mundo.

– Valorização do diálogo e da conciliação e fortalecimento das instituições internacionais, a começar pela própria Organização das Nações Unidas.

– Efetiva retomada do diálogo Norte-Sul, compreendendo o lançamento das negociações globais, como demonstração da disposição de todos de responder aos anseios da imensa maioria das nações.

– Ação concreta e imediata, sem prejuízo para a retomada desse diálogo sobre as mais prementes questões econômicas que ameaçam a comunidade internacional a curto prazo.

Senhor Presidente,

Faço os meus melhores votos para que os trabalhos desta Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas tenham pleno êxito. Exorto os representantes dos Estados aqui reunidos a assumirem por inteiro a responsabilidade histórica intransferível de corresponder às expectativas dos que, em 1945, fundaram esta Organização, e de construir para as gerações futuras uma estrada mais larga no rumo da Paz e do Desenvolvimento.

Estamos no limiar de um mundo novo. Permita Deus que, graças a nossos esforços, seja ele um mundo melhor. O Brasil, eu vos asseguro, está pronto a cumprir sua parte nesse empreendimento.

Muito obrigado.

Nova York, em 27 de setembro de 1982.

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