Resenha Estratégica – Vol. 18 – maio de 2021.
O domingo 9 de maio marcou o 76º aniversário do fim da II Guerra Mundial na Europa (na Ásia, a data oficial é 2 de setembro). No Ocidente, cada vez mais, a data se restringe a limitadas cerimônias de hasteamento de bandeiras dos países combatentes e breves discursos, geralmente, de autoridades militares. Mas, na Federação Russa, é um grande feriado nacional celebrado em todo o país com desfiles militares e, de forma significativa, com os impressionantes “Regimentos dos Imortais”, integrados por milhares de civis que desfilam após as tropas, portando retratos de seus parentes mortos na Grande Guerra Patriótica – como o conflito é chamado por lá -, iniciativa sem paralelo e altamente simbólica dos enormes sacrifícios feitos pelo povo da antiga União Soviética, que perdeu 27 milhões de vidas, cerca de um em cada sete de seus habitantes e metade das vítimas fatais da guerra.
E foi exatamente esse espírito de sacrifício e disposição para luta que o presidente Vladimir Putin tratou de ressaltar em seu discurso na ocasião, em uma advertência direta às potências ocidentais que parecem dispostas a fechar um perigoso cerco contra a Rússia – e, paralelamente, em provocar a China -, como parte do afã “excepcionalista” das elites transatlânticas em preservar o seu modelo hegemônico de relações internacionais:
Nós sempre recordaremos que foi o povo soviético quem demonstrou o heroísmo final… O nosso povo lutou até o amargo final em cada linha de frente, nas mais ferozes batalhas em terra, no mar e no ar. Pessoas de todas as origens étnicas e fés lutaram por cada polegada do nosso solo. Pelos campos nos acessos a Moscou, pelas rochas da Carélia e passagens do Cáucaso, pelas florestas de Vyazma e Novgorod, pelas margens do Báltico e do Dnieper, pelas estepes do Volga e do Don. O heroísmo das tropas soviéticas e o inabalável espírito dos civis estão perpetuados nos gloriosos títulos de Cidades Heróicas concedidos a Moscou e Leningrado, Minsk e Kiev, Stalingrado e Sevastopol, Murmansk e Odessa, Kerch e Tula, Novorossiysk e Smolensk. O vínculo inquebrável entre os combatentes delinha de frente e aqueles na frente interna assegurou que nossas tropas fossem providas com tudo o que precisavam para a vitória, graças aos esforços de fábricas na região do Volga e nos Urais, Sibéria e no Extremo Oriente russo, as cidades do Cazaquistão e das repúblicas centro-asiáticas. Nós recodamos aqueles que ofereceram abrigo e apoio aos evacuados que foram forçados a deixar seus lares. Hoje, celebramos agradecidos a memória de uma geração inteira de grandes heróis e trabalhadores dedicados, e recordamos os nossos combatentes de linha de frente, bravos guerrilheiros e membros da resistência subterrânea.
E o “recado” foi trazido para a atualidade: “A guerra lançou sobre nós tantas provações intoleráveis, pesares e lágrimas, que é impossível esquecer. Aqueles que estão tramando novas agressões não podem ser perdoados ou justificados.”
Como o cerco à Rússia inclui não apenas provocações e sanções, mas também esdrúxulas iniciativas de revisionismo histórico, visando a equiparar a URSS com a Alemanha nazista e elevar a Rússia de hoje à condição de sucessora do Império Soviético, Putin foi claro:
A História exige que aprendamos com ela. Infelizmente, estão sendo feitas tentativas de mobilizar uma grande parte da ideologia nazista e as ideias daqueles que eram obcecados com a teoria ilusória da sua própria supremacia. Esta ideologia não é apoiada apenas por radicais e grupos terroristas internacionais de todos os tipos. Hoje, estamos presenciando os membros sobreviventes daqueles esquadrões da morte e seus seguidores, tentando reescrever a História e justificar os traidores e criminosos cujas mãos estão manchadas com o sangue de centenas de milhares de civis. Escrevendo na véspera do Dia da Vitória, o jornalista irlandês Finnian Cunningham, um dos mais argutos observadores do presente cenário estratégico e político global, quase antecipou a mensagem que seria transmitida por Putin no dia seguinte:
O teste do tempo mostra claramente os que foram os vitoriosos primários na pior guerra que o mundo já viu. Os líderes de nações que afirmam o contrário são impostores e fraudadores. As suas paradas de vitória cada vez mais apagadas ao longo do tempo sugere o seu sequestro da História e a vacuidade dos seus presumidos papeis de “libertadores” e campeões da “ordem internacional” e dos “valores virtuosos”. Mas o mais perigoso é que essas mesmas pessoas são capazes de começar outra guerra mundial, com as suas arrogantes ilusões de superioridade sobre a Rússia (Sputniknews, 08/05/2021).
Por outro lado, para não deixar margem a dúvidas sobre o simbolismo do momento, o governo da China manifestou o seu apoio à Rússia. Em uma entrevista coletiva em Pequim, em 10 de maio, em resposta a uma pergunta sobre o discurso de Putin na véspera, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Hua Chunying, afirmou: “A Rússia defende consistentemente o direito internacional. Ao mesmo tempo, nós defenderemos firmemente os nossos interesses nacionais, para assegurar a segurança do nosso povo (CGTN, 10/05/2021).”
Hua ressaltou que a China e a Rússia experimentaram grandes sacrifícios e deram uma enorme contribuição para a vitória contra o fascismo na guerra. Por isso, a China “continuará a trabalhar com a Rússia e a comunidade internacional para salvaguardar resolutamente os frutos da vitória na II Guerra Mundial e a paz ganha a duras penas, manterá firmemente um sistema internacional centrado nas Nações Unidas e uma ordem internacional baseada no direito internacional, e defenderá os valores comuns da humanidade, inclusive a equidade, justiça, democracia e liberdade”.
A grande questão é saber se Washington, Londres e Bruxelas levarão a sério as mensagens de Moscou e Pequim, ou se insistirão com suas provocações inconsequentes e potencialmente incendiárias.