Por uma série de circunstâncias ligadas à pandemia da Covid-19 – aumento do gasto público, programas de ajuda à população, ruptura das cadeias de abastecimento, escassez de mão-de-obra – a inflação nos Estados Unidos disparou, batendo em 9,1% ao ano em junho de 2022. Para trazer a inflação de volta ao nível pré-pandemia o FED – banco central dos Estados Unidos – elevou a taxa de juros de 0% para 5% desde março de 2022. Trata-se do ritmo de aumento de juros mais rápido desde o início dos anos 1980. Enquanto alguns argumentam que para trazer a inflação para a meta de 2% será preciso elevar ainda mais os juros, embora isso provavelmente aumente o desemprego e induza uma recessão, outros acham que o FED já foi longe demais e que não faz sentido infringir maior sofrimento para a economia.
Juros mais altos aumentam o custo de empréstimos desestimulando o consumo e o investimento. Muitos esperam um pouso forçado da economia americana, uma vez que os efeitos recessivos do aumento dos juros levam cerca de 18 meses para se materializar na economia real. A inversão das curvas de juros também seria um indicador de uma recessão à vista. Normalmente é de se esperar que os juros de longo prazo sejam maiores que os juros de curto prazo, uma vez que os investidores esperam ser compensados por manter seu dinheiro imobilizado por um período maior, correndo maior risco. Quando essa tendência se inverte é sinal de que os investidores estão esperando que o banco central vá cortar os juros porque acham que o crescimento vai enfraquecer.
Por isso, inversões na curva de juros têm sido consideradas como prenúncio de recessões. As curvas de juros se inverteram nos Estados Unidos em outubro de 2022. As inversões têm um histórico quase perfeito em prenunciar recessões nos Estados Unidos no último meio século. A defasagem entre o início da inversão e o início da recessão é de cerca de 350 dias, o que colocaria o início de uma potencial recessão em setembro. A filial do Fed em Nova York calcula a probabilidade de uma recessão com base na curva de juros. Em maio, colocou as chances de um em mais de 70%, a maior desde 1982.
Outros indicadores parecem reforçar essa perspectiva desoladora para a economia americana. Apesar dos muitos maus presságios, o indicador mais importante da saúde da economia – o mercado de trabalho – permaneceu surpreendentemente resiliente. A taxa de desemprego situa-se em apenas 3,6%, um pouco acima do mínimo de cinco décadas. Os Estados Unidos criaram empregos por 30 meses consecutivos, elevando o emprego total para cerca de seu nível pré-pandemia. Mas o ritmo de criação de novas vagas de trabalho está desacelerando. Segundo o Wall Street Journal (25/7), “A contratação mensal do setor privado diminuiu para uma média de 215.000 empregos durante o primeiro semestre deste ano, abaixo dos 317.000 no segundo semestre de 2022 e 436.000 no primeiro semestre de 2022”.
Ao mesmo tempo, a inflação está recuando. No acumulado do ano até junho de 2022, os preços ao consumidor saltaram 9,1%. No acumulado do ano até junho deste ano elas subiram apenas 3%, o menor aumento em mais de dois anos. O núcleo da inflação, que exclui energia e alimentos, está mais alto, mas os aluguéis, até então um grande elemento da inflação, estão caindo de acordo com os índices privados, e devem começar a cair em breve também nos dados oficiais. Os custos da mão-de-obra continuam a subir, mas a taxa de aumento abrandou, o que é um bom presságio para os preços das refeições em restaurantes, reparação de automóveis, contabilidade fiscal e muito mais.
A inversão da curva de rendimento também pode ser enganosa. As taxas de longo prazo podem ter caído abaixo das de curto prazo não porque uma recessão é iminente, mas por uma razão muito mais agradável: à medida em que a inflação derrete, o Fed poderá reduzir os juros. Desde que possa fazer esses cortes antes que o crescimento ceda, terá uma boa chance de guiar os EUA para um pouso suave.
É preciso considerar também que a política monetária pode ser apertada, mas há forças compensatórias. Uma delas é o gasto do governo. Os Estados Unidos estão com um déficit orçamentário de mais de 5% do PIB – algo inédito em recessões e guerras externas. Isso é colocar dinheiro no bolso das pessoas. Várias grandes leis dos dois primeiros anos da presidência de Joe Biden, promulgadas antes de os democratas perderem o controle da Câmara dos Representantes, também estão começando a afetar a economia. Os gastos com rodovias, portos, usinas e muito mais, viabilizados por uma lei de infraestrutura aprovada em 2021, valem cerca de 0,25% do PIB ao ano. Os subsídios para veículos elétricos, energia renovável e semicondutores parecem ter catalisado um aumento no investimento do setor privado: os gastos com instalações fabris aumentaram 70% este ano em termos reais em comparação com os níveis pré-pandemia, atingindo um recorde. Outra força compensatória são as famílias, cujos gastos respondem por cerca de dois terços do PIB. Eles entraram na era da inflação alta e do aumento dos juros bem preparados. Durante a pandemia, eles acumularam “poupanças excedentes” no valor de cerca de US$ 2 trilhões, uma consequência tanto de ter menos oportunidades de gastar seu dinheiro quanto de receber três rodadas de cheques de estímulo, bem como outras formas de apoio do governo.