É melhor negociar do que bater de frente com Trump, mas sem vestir a carapuça

    Donald Trump sentado a mesa, assinando documento com várias pessoas atrás dele.
    (Foto: poder360.com.br)

    O Brasil vem sendo citado reiteradamente por Donald Trump em seus discursos sobre comércio internacional como país que taxa em demasia os produtos importados dos Estados Unidos e é parte da lista de países que “querem mal” aos Estados Unidos. Na últimas semanas, o País já foi alvo das medidas protecionistas dos Estados Unidos com a taxação de 25% sobre importação de aço e alumínio. O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os EUA. Entretanto, dada a retórica cada vez mais agressiva contra o Brasil não se pode descartar que outras medidas protecionistas atingindo outros setores da economia sejam anunciadas em breve.

    Diante disso, o Brasil precisa se preparar tanto para minimizar os efeitos negativos sobre sua economia, já com muitos problemas, quanto para ver como reage à eventuais medidas punitivas que o governo Trump venha a tomar contra o país.  Os recentes episódios da Colômbia, quando o presidente Gustavo Petro confrontou Trump por causa da deportação de imigrantes colombianos ilegais nos Estados Unidos, quanto o bate-boca envolvendo o presidente Trump, seu vice J. D. Vance e o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskyy em frente à imprensa na Casa Branca, mostram que bater de frente contra Trump não é a melhor estratégia, sobretudo quando não se tem as cartas na não para sustentar o confronto.

    Como observou recentemente o ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa, “Não adianta querer falar muito se o país não tem poder. Os países estão usando a força para obter resultados políticos. Essa é a nova regra hoje nos EUA.” É preciso, enfim, recorrer à diplomacia silenciosa.

    Isso não quer dizer, contudo, que se deva aceitar passivamente as ameaças de Trump nem se deva ficar inerte frente a eventuais medidas danosas ao país. Como já ficou provado, Trump é daqueles jogadores que gostam de bater na mesa, embaralhar as fichas e começar do zero dando as cartas. As reações recentes do Canadá e da China às sobretaxas impostas por Trump sobre suas exportações (25% sobre o Canadá e 10% + 10% sobre a China) mostram que é melhor negociar com alguma coisa na mão. No caso do Brasil, embora apenas 12% de nossas exportações vão para os Estados Unidos, 15% de nossas importações vêm de lá, o que não é pouco. Retaliar contra eventuais medidas protecionistas dos Estados Unidos talvez não seja a primeira opção.

    Outro ponto é não aceitar pelo valor de face as afirmações, em geral falsas, de Trump sobre as relações comerciais entre o Brasil e os Estados Unidos. No período em que o mesmo embaixador Rubens Barbosa era embaixador do Brasil em Washington a embaixada brasileira costumava publicar, todos os anos, um documento cujo título era “Barreiras a Produtos e Restrições a Serviços e Investimentos nos Estados Unidos”.  A quarta e última edição é de 2005, quando o embaixador brasileiro em Washington era Roberto Abdenur. Infelizmente a publicação foi descontinuada, mas os dados que ali constam ainda são úteis pois de lá para cá as barreiras à importação no Brasil só caíram e os Estados Unidos, ao contrário, tornaram-se mais protecionistas e não devem, portanto, ter diminuído as barreiras e restrições citadas naquele documento.

    O que o documento mostra, em suma, é que apesar de toda a retórica dos Estados Unidos de que são uma economia aberta e que o Brasil aplica altas taxas sobre as exportações dos Estados Unidos para o País, o que ocorre na verdade é o oposto. Apesar das tarifas médias dos Estados Unidos serem mais baixas que as do Brasil para diversos produtos, nomeadamente os produtos agrícolas, os Estados Unidos aplicam os chamados picos tarifários que, em alguns casos, podem atingir 350%. Ninguém vive na média. O que interessa é a tarifa efetiva aplicada sobre os produtos que temos interesse em exportar para o mercado norte-americano. E a verdade é que em muitos casos as tarifas utilizadas pelos Estados Unidos e outras restrições quantitativas praticamente impedem a entrada do produto brasileiro no mercado norte-americano.

    Reproduzimos abaixo parte da apresentação do documento, assinado pelo Embaixador Roberto Abdenur, à época:

    “O relatório da OMC registra que, em 2002, a tarifa de importação média aplicada nos EUA (tarifa de Não Mais Favorecida – NMF) era de 5,1% – 4,2% para bens industriais e 9,8% para produtos agrícolas (no caso do Brasil, conforme o mais recente relatório da OMC sobre o País, de novembro de 2004, tais números são de, respectivamente 10,4, 10,5 e 10,2%). Mas, se as tarifas médias são sem dúvida baixas nos Estados Unidos, o relatório da OMC logo recorda “os núcleos de proteção”: “Certos produtos, no entanto, recebem proteção tarifária na faixa de 50%-350%, notadamente tabaco, amendoim, alguns laticínios açúcar e alguns tipos de calçado; a maior parte das tarifas sobre têxteis e vestuário está na faixa de 15-30%. A escalada tarifária [aumento de tarifa conforme o grau de elaboração do produto, começando com zero para o produto in natura e subindo de acordo com o grau de agregação de valor – exemplo: 0% para o café verde e 10% para o café solúvel] está presente em têxteis e vestuário, minerais não-metálicos e indústrias de metalurgia básica. O referido documento não cita, mas poderia ter acrescentado, pelo menos duas situações particularmente nocivas para os exportadores brasileiros: os direitos específicos sobre as exportações de etanol e de suco de laranja.

    A agricultura é a área de “proteção preferencial” da política comercial dos EUA. Além de picos como o de 350% para o tabaco extracota, há neste setor, com recorda estudo do ICONE (Instituto de Estudos do Comércio e Negócios Internacionais – www.iconebrasil.org.br), 167 linhas tarifárias acima de 30%, e 31 acima de 100%. O setor agrícola concentra, ainda, como consignado no relatório da OMC, número significativo de direitos específicos (cerca de 12% das linhas tarifárias dos Estados Unidos e quotas tarifárias (presentes em 1,9% de todas as linhas tarifárias), instrumentos amplamente utilizados pelos países desenvolvidos para a proteção de sua agricultura. O texto da OMC registra, ademais, que “para diversos produtos sensíveis, tais como açúcar e laticínios, tarifas extraquota proibitivas podem ter o efeito de restrições quantitativas de fato”. Quanto a bens industriais, segundo a OMC, a tarifa máxima aplicada pelos EUA chega a 58,5% para certos tipos de calçado (355 no caso do Brasil, para automóveis, por exemplo).

    O Brasil desconhecer picos tarifários a magnitude praticada pelos EUA na área agrícola: excetuadas 15 linhas tarifárias de produtos com impacto comercial reduzido (pêssego, coco e alguns tipos de laticínio), nas quais as tarifas podem ser de até 55%, todas as demais tarifas de importação aplicadas situam-se na faixa de 0-20%. Ou seja, no caso do Brasil a média de 10,2% para importação de produtos agrícolas  é um retrato equilibrado do quadro geral; no caso dos EUA a média – na mesma faixa brasileira – encobre alta proteção para um número selecionado, mas economicamente relevantes, de grandes commodities.

    É preciso levar ainda em conta que os produtos brasileiros sofrem  ainda a barreira indireta dos altos subsídios concedidos à agricultura norte-americana. É possível que alguns desses números tenham mudado nos últimos 20 anos, mas com certeza para pior, pois o protecionismo no setor agrícola nos EUA só aumentou desde então. Como se vê, portanto, os argumentos usados por Trump são falsos, baseiam-se em casos anedóticos, e não correspondem à realidade geral dos fatos. Se alguém pode reclamar nessa relação é o Brasil, que vem experimentando anos a fio um déficit comercial em suas relações de troca com os EUA e tem a competitividade de sua agricultura prejudicada pelos enormes subsídios que os Estados Unidos oferecem aos seus produtores agrícolas.

    Diga-se, de passagem, que a Rodada Doha da OMC, que supostamente deveria ter resolvido a questão dos subsídios agrícolas dos Estados Unidos e da União Europeia, depois de se arrastar por 15 anos, foi encerrada sem acordo nenhum, em 2015, exatamente porque os Estados Unidos e a União Europeia não aceitaram diminuir os subsídios aos seus agricultores, conforme havia sido acordado, em 1996, por ocasião da criação da Organização Mundial do Comércio (OMC).   Não há, portanto, porque o Brasil vestir a carapuça jogada por Trump. Se há alguém que pode cobrar alguma coisa nessa relação, somos nós.

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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