Nunca houve misse como Marta Rocha, a baiana escolhida como a mulher mais bonita do Brasil, em 1954, por um júri de que faziam parte os escritores Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos e o poeta Manuel Bandeira. O compositor Dorival Caími embatucou ante duas jóias azuis: “Eu nunca soube o que era mais bonito, se os olhos da Marta ou o mar de Itapoã”. O Brasil em peso torcia para que a sua representante ganhasse o título de Misse Universo, em Long Beach, nos Estados Unidos, mas a notícia adversa foi que ela perdeu para a desengonçada americana Miriam Stevenson por excesso de quadril: duas polegadas a mais.
Revolta geral, que naquele tempo não acabava em pizza, mas em marchinha de Carnaval. “Por duas polegadas a mais / passaram a baiana pra trás / por duas polegadas, e logo nos quadris / tem dó, tem dó seu juiz”, reclamaram os compositores Pedro Caetano e Carlos Renato. “Pulei da cama ferido pela notícia”, diria o dramaturgo Nélson Rodrigues. O etnólogo Darci Ribeiro chamou Marta de “glória da raça”. Didi, craque da Seleção que disputava a copa na Suíça, não entendeu: “Mas como, se era logo desse pouquinho a mais que a gente mais gostava?”
Tudo mentira. As 38 polegadas (95 cm) dos quadris de Marta Rocha nada tiveram que ver com o resultado. Foram, no jargão jornalístico, uma cascata do jornalista João Martins, enviado especial da revista O Cruzeiro ao concurso. Martins escrevia reportagens como Manuel Bandeira fazia poemas: baseado na inspiração e não na investigação. Um ano antes, escrevera páginas e páginas acerca de um disco voador que ele fora o único a avistar na Barra da Tijuca. Em Long Beach, achou de compensar a decepção com a invenção e convenceu os colegas a endossarem a mentira. Marta Rocha, que hoje se dedica à pintura, contornou a história na autobiografia escrita com Isa Pessoa e publicada pela Editora Objetiva em 1993. Mas é certo que a lorota serviu, ao menos, para amenizar a injustiça, pois nunca houve misse como Marta Rocha (se bem que Adalgisa Colombo, Teresinha Morango, Ieda Maria Vargas, Marta Vasconcelos, Vera Fischer…).
Transcrito da Revista Bonifácio nº 2, janeiro-fevereiro-março de 2004
Excelente, com humor picante.