China realiza Terceira Sessão Plenária do Partido Comunista

    Na tradição do Partido Comunista da China, a Terceira Sessão Plenária do Comitê Central é um evento de grande importância, pois nessa reunião quinquenal geralmente são anunciadas medidas importantes que irão influenciar a política econômica do país nos anos e até décadas seguintes.

    Foi por exemplo na Terceira Sessão do 11° Comitê Central, em 1978, que Deng Xiaoping anunciou a iniciativa de “reforma e abertura”, que em pouco mais de 30 anos transformou a China de um país pobre na segunda potência econômica mundial.

    Em 1993, Jiang Zemin, o falecido secretário-geral do PCC, na Terceira Sessão Plenária, pediu o estabelecimento de uma “economia de mercado socialista” até o final do século 20 e instituiu reformas para incentivar a iniciativa privada e alterar as operações das empresas estatais. 

    Em 2013, a Terceira Sessão Plenária, sob o presidente Xi Jinping, afirmou o “papel decisivo” do mercado na alocação de recursos e incluiu medidas para liberalizar o sistema bancário, incentivar o investimento privado em empresas estatais, abolir a reeducação pelo trabalho e facilitar a política do filho único.

    Em 2018, a Terceira Plenária aprovou reformas nas instituições do partido e do Estado e consolidou o status de Xi depois que o partido anunciou uma emenda constitucional para abolir os limites do mandato presidencial, abrindo caminho para o terceiro mandato do presidente.

    A mais recente Terceira Sessão do 20° Comitê Central do Partido Comunista da China ocorreu entre os dias 15 e 18 de julho em Pequim. Participaram da sessão 199 membros e 165 membros suplentes do Comitê Central. Os membros do Comitê Permanente da Comissão Central de Inspeção Disciplinar estavam presentes sem direito a voto, bem como alguns representantes do 20º Congresso Nacional do Partido de entidades de base, especialistas e eruditos.

    Muito embora as medidas anunciadas nessas terceiras sessões plenárias geralmente tenham como horizonte o médio e longo prazos e, portanto, não visem especificamente a resolução de problemas conjunturais, é inevitável que a avaliação da situação atual e a trajetória percorrida até aquele momento sejam sempre o ponto de partida para se estabelecer correções de rotas visando atingir os objetivos estratégicos. No caso da China se trata de se transformar em uma economia socialista avançada até a metade deste século.

    A mais recente terceira sessão plenária se deu frente a um pano de fundo complicado para a China em nível doméstico e internacional. Em nível doméstico a China se vê às voltas com problemas conjunturais, ligados, ainda, aos efeitos da pandemia de Covid-19 sobre sua economia, nomeadamente as relativamente baixas taxas de crescimento do PIB para os padrões chineses das últimas três décadas. Há também problemas estruturais relacionados à perda de dinamismo de setores que até recentemente foram os motores da economia, nomeadamente o setor imobiliário e de infraestrutura, o envelhecimento da população, o encolhimento populacional e a baixa propensão ao consumo da população em geral.

    A China enfrenta também um sério problema fiscal representado pelo alto nível de endividamento dos entes subnacionais, especialmente as províncias. Conforme destacou o influente economista chinês Justin Yifu Li, em entrevista para o South China Morning Post (01/8/2024), ”Após a crise financeira internacional em 2008, a China empreendeu muitos projetos de infraestrutura para estabilizar o emprego e o crescimento econômico. Dentro desse pacote de estímulo de 4 trilhões de yuans (US$ 551 bilhões), o governo central forneceu apenas 1,2 trilhão de yuans, e os 2,8 trilhões de yuans restantes tiveram que vir dos governos locais. Mas como não podiam ter déficit, criaram plataformas de investimento locais e pediram dinheiro emprestado aos bancos para construir esses projetos. Como o dinheiro foi subscrito com crédito do governo local, inevitavelmente se tornou uma dívida oculta. Mesmo que não constem do orçamento, a responsabilidade pertence aos governos locais. Um problema aqui é que esses projetos de infraestrutura são de longo prazo, mas o dinheiro emprestado é dívida de curto prazo, então há uma incompatibilidade.”

    No plano externo, o pano de fundo da situação é também complexo. Depois de integrar-se de forma exitosa na economia global na onda da globalização produtiva que ganhou força no final do século passado, o que lhe permitiu transformar-se na segunda potência econômica e no maior exportador mundial de bens manufaturados, a China sofre atualmente uma agressiva tentativa de isolamento por parte dos Estados Unidos, que desde 2018 vem promovendo uma guerra comercial e tecnológica sem trégua contra o país, visando conter a todo custo seu desenvolvimento.

    Para complicar as coisas, a guerra na Ucrânia tem contribuído para a emergência de um quadro geopolítico global que guarda semelhança com a Guerra Fria da segunda metade do século XX, só que agora colocando Estados Unidos e China como antípodas. As iniciativas recentes dos Estados Unidos de promover a remilitarização da Alemanha e do Japão, a construção de uma espécie de Otan da Ásia, a realização de operações conjuntas entre Japão e Taiwan e a instalação de novas bases militares no entorno da China dão conta da complexidade da situação. É, portanto, contra esse pano de fundo que precisamos observar as principais medidas anunciadas na terceira sessão plenária realizada em meados de julho.

    O economista chinês Justin Yifu Li, na já mencionada entrevista ao South China Morning Post, de Hong Kong, enumerou o que na sua opinião teriam sido as principais resoluções da terceira sessão plenária.

    Dentre as 300 medidas anunciadas ele destaca, em primeiro lugar, a reforma tributária e fiscal para enfrentar o já mencionado problema de endividamento dos entes subnacionais. Segundo ele, “Primeiro, o problema da dívida do governo local na China não é tão ruim quanto parece. Uma grande diferença entre a dívida do governo local na China e em outros países é que a dívida em outros países é dívida real, porque a maior parte do dinheiro emprestado é usada para impulsionar o consumo ou aliviar o desemprego. A maior parte da dívida dos governos locais chineses, no entanto, foi usada para investimentos em infraestrutura, o que significa que há ativos subjacentes às dívidas, de modo que a dívida líquida é muito menor do que a nominal. Em segundo lugar, muitos países em desenvolvimento tomam dinheiro emprestado em moedas estrangeiras, e as dívidas dos governos locais da China são denominadas em yuan. Normalmente, as dívidas na própria moeda de um país provavelmente não levarão a uma crise, pois o país pode imprimir mais dinheiro. Portanto, não precisamos nos preocupar muito com o problema da dívida da China, mas isso não significa que não haja necessidade de resolvê-lo. E a solução é exatamente como dizem os documentos do terceiro plenário – ou seja, deixe as receitas fiscais dos governos locais corresponderem às suas responsabilidades. E se o governo central emitir uma política que precise de infraestrutura, o dinheiro deve vir do bolso do governo central.”

     A segunda mais importante que ele destaca são as reformas no sistema de registro domiciliar chamado hukou. O sistema tem origem na China antiga, mas a versão atualmente em vigor foi implantada em 1958. De acordo com esse sistema, o cidadão tem acesso aos serviços públicos e sociais, tais como saúde, educação, dentre outros, apenas na localidade onde estiver registrado.  Desse modo, quando os habitantes rurais se mudam para as cidades, eles podem trabalhar ou comprar propriedades, mas não podem desfrutar dos mesmos serviços públicos – saúde, educação para crianças – disponíveis para os residentes urbanos.

    O sistema foi implanto com o objetivo de restringir a livre circulação de pessoas, pois levaria à superpopulação das cidades e poderia ameaçar a produção agrícola. Embora fizesse sentido, dentro da realidade chinesa, na época de sua implantação, a sua permanência tornou-se causa de um grave problema social hoje em dia, sobretudo porque existem atualmente na China mais de 200 milhões de trabalhadores migrantes vivendo e trabalhando em cidades, principalmente da costa leste, que são obrigados a deixar seus filhos com os avós em suas cidades e províncias de origem para poderem trabalhar e sustentar os idosos e as crianças.

    Em algumas cidades, como Dongguan na província de Guandong (Cantão) no sul da China, que em meados da década de 1980 tornou-se a principal base de exportação e produção do país (a cidade produzia roupas, calçados e brinquedos baratos) estima-se que três quartos da população de 10 milhões de habitantes seja de trabalhadores migrantes.

    E agora essas restrições se foram. Trata-se, portanto, também de uma reforma institucional muito importante, que é outro elemento-chave para a criação de um mercado nacional unificado. Segundo Lin, “O mercado unificado nacional da China já é bastante perfeito em termos de fluxo de produtos e commodities. O principal obstáculo é o mercado de fatores, incluindo o mercado de trabalho. Portanto, a reforma do hukou é fundamental para aprofundar ainda mais o sistema econômico de mercado.”

    De acordo com o jornal chinês Global Times (15/7/2024), “Entre os principais itens da agenda, altos funcionários do Partido deliberarão sobre um rascunho da decisão do Comitê Central do PCC sobre o aprofundamento abrangente da reforma e o avanço da modernização chinesa.”

    Segundo o Financial Times (21/7/2024), o comunicado final da Terceira Sessão plenária “reafirmou a filosofia de Xi de “desenvolvimento econômico de alta qualidade”, ecoando os objetivos declarados em um importante congresso em 2022. Essa filosofia significa, em essência, confiar cada vez mais na inovação tecnológica, big data e inteligência artificial para impulsionar o crescimento, em vez de insumos tradicionais, como trabalho, capital e terra.”

    Ainda segundo o Financial Times (19/7/2024), “a reunião ocorre em um momento importante para a economia da China. Uma crise de anos no mercado imobiliário contribuiu para a fraqueza do consumo das famílias, bem como para a confiança dos investidores estrangeiros e domésticos. O presidente Xi Jinping está incentivando o investimento em manufatura de alta tecnologia, já que a China busca competir com os EUA em meio a crescentes tensões geopolíticas. Mas enquanto a China está se tornando dominante em algumas tecnologias, como veículos elétricos, economistas disseram que o problema central para sua economia é o consumo doméstico atrasado, um problema reconhecido por Han [Han Wenxiu, vice-diretor encarregado dos assuntos financeiros e econômicos do partido]. Ele disse que o governo precisava acelerar a emissão de títulos para fins especiais para garantir o bom funcionamento dos governos em todos os níveis. Muitos governos locais estão lutando com o pagamento de dívidas e dos salários de seus funcionários públicos após o colapso do setor imobiliário, uma fonte crucial de receita.”

    Ainda segundo o Financial Times (23/7/2024), “O documento final continha 60 subseções e mais de 300 reformas propostas, mas poucos compromissos para uma intervenção governamental mais forte para lidar com a prolongada crise imobiliária que abalou a confiança do consumidor e do investidor. Em vez disso, Xi expôs sua visão de investimento pesado em manufatura avançada, apelidada de “novas forças produtivas de qualidade” no jargão do partido, enquanto deixava de lado as preocupações com o aumento da produção da China, que está impulsionando a deflação e criando uma enxurrada de exportações, alimentando as tensões comerciais. O documento final da terceira plenária mencionou termos relacionados à tecnologia, talento, ciência e inovação 160 vezes. Mas o setor imobiliário garantiu apenas quatro menções e não apareceu até dois terços do documento.”

    Luís Antonio Paulino
    Luís Antônio Paulino é professor doutor associado da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da equipe de colaboradores do portal “Bonifácio”.

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