A conquista do poder pelas forças comandadas por Mao Tsé-tung, em 1949, e a subsequente criação da República Popular da China foi a primeira revolução chinesa. Nunca é demais lembrar que em 1949 a taxa de analfabetismo na China era de 80% e quando Mao Zedong morreu, em 1976, era apenas de 6%. Que a esperança de vida ao nascer, em 1949, era de 35 anos e trinta anos depois já havia aumentado para 70 anos. Que em 1949 a China tinha 50 mil cientistas e que em 1959 eram 2,5 milhões. Que a China produziu a bomba atômica, em 1964, a bomba H, em 1967, e colocou o primeiro satélite em órbita, em 1970. Que a produção industrial da China cresceu 11,3% ao ano, entre 1952 e 1977 e que a produção de aço saltou no mesmo período de 1,3 milhão para 23 milhões de toneladas.
O início do período de reforma e abertura, em 1978, sob o mando de Deng Xiaoping, marcou o início da segunda. Durante 30 anos, entre 1978 e 2008, a China cresceu cerca de 10% ao ano, logrando transformar-se de um país pobre na segunda maior economia do planeta e no principal exportador mundial de manufaturas. O PIB per capita da China, em 1980, era de apenas US$ 193, mais baixo que o de Bangladesh, Chad e Malawi. Em 2021, o PIB per capita da China já havia alcançado US$ 12.556, ou seja, um aumento de 65 vezes em 40 anos. Só para termos uma base de comparação o PIB per capita do Brasil aumentou, no mesmo período, apenas 3,9 vezes, saltando de US$ 1.941 para US$ 7.732.
Essa velocidade de crescimento de quebrar o pescoço cobrou seu preço: como previra Deng Xiaoping, uns ficaram ricos primeiros que os outros e a desigualdade social aumentou; problemas ambientais comprometeram a qualidade de vida; especulação imobiliária dificultou o acesso à moradia para os jovens e os mais pobres; a política de filho único está levando ao envelhecimento precoce da população chinesa; superávits recorrentes no comércio externo desencadearam conflitos comerciais; a corrupção tornou-se um problema grave, distanciando o povo o partido.
A liquidação de centenas de milhares de empresas estatais, no final da década de 1990 e início dos anos 2000, cortou de forma abrupta a rede de proteção social do modelo socialista, que garantia emprego vitalício, moradia, educação, lazer e aposentadoria para todos os trabalhadores urbanos, obrigando as famílias a poupar para fazer frente às novas contingências e restringir seu consumo. Para manter a economia crescendo, com o consumo restringido, os sucessivos governos apelaram para grandes investimentos em infraestrutura e para a demanda externa. A crise de 2008 mostrou que esse modelo estava esgotado.
Tudo isso levou a que, no início do século XXI, a China apresentasse uma série de desbalanceamentos que se não corrigidos a tempo poderiam comprometer seu futuro. O premiê Wen Jiabao, em uma conferência para a imprensa ao final do Congresso Nacional do Povo, em 2007, sintetizou essas preocupações, afirmando que depois de 30 anos de milagre econômico a China estava arriscada a tornar-se crescentemente instável, desbalanceada, descoordenada e insustentável. Os 30 anos de milagre econômico tinham cumprido o seu papel, mas agora era preciso lidar seriamente com esses quatro “uns” como ficou conhecida a afirmação de Wen Jiabao (unstable, unbalanced, uncoordinated and unsustainable).
Foi essa a China que Xi Jinping herdou de seus antecessores, em 2013. Determinado a enfrentar esses quatro “uns” formulou uma nova estratégia que acabou consubstanciada no que ficou conhecido como o “Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era”, posteriormente acrescentada à Constituição do Partido, equiparando assim o pensamento de Mao Zedong e Deng Xiaoping. A foco dessa “terceira revolução chinesa” é, portanto, o enfrentamento desses desequilíbrios do período anterior, com o objetivo de tornar a China uma economia socialista avançada até 2049. Sua essência é a melhoria da governança da China, para o que, o papel do partido é essencial. Daí a campanha inclemente que Xi Jinping desencadeou contra a corrupção na China.
As “duas seções de 2023”, realizadas neste mês de março, como são chamadas as seções conjuntas do Congresso Nacional do Povo, órgão legislativo, e do Comitê Nacional da Conferência Política Consultiva do Povo Chinês, órgão consultivo, ao confirmarem um terceiro mandato a Xi Jinping como presidente da República Popular da China sinalizam para a continuidade dessa nova estratégia de desenvolvimento, tendo como referência o ano de 2049. Uma característica importante dessa nova fase, além do foco na melhoria da governança do país, será uma ênfase maior na qualidade e menos na quantidade.
Não que o crescimento econômico e, sobretudo a geração de empregos deixe de ser importante. A China precisa continuar a criar dez milhões de postos de trabalho por ano para manter a estabilidade social. Mas até porque o tamanho absoluto alcançado pela economia já não comporta taxas de crescimento tão altas, as metas de crescimento serão mais modestas, embora ainda elevadas para os padrões mundiais, na ordem de 5% ao ano.
Mas, certamente, preocupações com desenvolvimento científico e tecnológico, como o domínio completo de todo o ciclo de produção de semicondutores ocuparão um lugar de maior destaque. No plano internacional, uma política externa mais ativa, até para fazer frente às tentativas de isolamento do país por parte dos Estados Unidos, será implementada, tendo entre seus principais instrumentos o projeto Cinturão e Rota (Belt and Road Iniciative – BRI).
A reunificação completa do país, com o tão esperado retorno de Taiwan, ao lado de Hong Kong e Macau, ao seio da nação chinesa também será uma prioridade. Qualquer tentativa por parte das forças separatistas de promover a independência de Taiwan, mesmo que com apoio militar dos Estados Unidos, será respondida à altura.
Exemplo de alinhamento entre gestão e ideologia. Com os naturais percalços, a resultante é positiva; a mais positiva da história recente da humanidade. Avante China. O Brasil também precisa de você…
É inexorável. A China vai superar esse novo desafio a qualquer preço, como tem feito desde 49.
Quem publica a Bonifácio?