Da redação do Portal Bonifácio
A rocambolesca história da deposição e posterior prisão do presidente do Peru, depois de diversas tentativas frustradas de impeachment desde que tomou posse há pouco mais de um ano, mostra a fragilidade da democracia na América Latina. Apesar de a quase totalidade dos países da região ter adotado o sufrágio universal como forma de escolha de seus governantes, a história política local tem sido marcada por frequentes golpes de Estado, patrocinados pelas elites locais, em geral com o apoio das forças armadas e, não raro, de potências estrangeiras, nomeadamente os Estados Unidos, antes, no contexto da Guerra Fria e, mais recentemente, da disputa com a China por influência na região, sempre que o resultado das urnas não lhes seja favorável.
Essas tentativas de golpe mostram a baixa tolerância das classes dominantes locais a qualquer tipo de mudança política que possa pôr em risco seus privilégios seculares. Mesmo depois da onda de democratização ocorrida na região no final da década de 1980, quando ditaduras militares na Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Brasil chegaram ao fim, tentativas de golpes têm ocorrido amiúde.
Em 2016 um golpe parlamentar depôs a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, que havia conseguido reeleger-se por uma margem estreita de votos. Alguns anos depois, o presidente Evo Morales, na Bolívia, foi impedido de tomar posse para um terceiro mandato após ter vencido as eleições. Na Venezuela, a oposição criou um governo paralelo, com o apoio dos Estados Unidos e alguns países sul-americanos, inclusive o Brasil, que passou a ser tratado, por esses países, como o governo “legítimo” do país. No Brasil, nas eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro, pressentindo a derrota nas urnas, tentou arregimentar, sem sucesso, o apoio das Forças Armadas para manter-se na presidência. Na Nicarágua, o presidente Daniel Ortega houve por bem mandar prender todos os candidatos da oposição antes de um novo pleito presidencial.
No Peru, assistimos agora a um roteiro semelhante. Inconformada com a derrota de seu candidato para um professor de etnia indígena nas últimas eleições, a elite local vinha tentando aprovar o impeachment do presidente Pedro Castilho, até agora sem sucesso. Mas, um erro de cálculo do presidente que, receoso do sucesso de uma terceira tentativa de impeachment, resolveu recorrer ao direito constitucional de dissolver o Parlamento e convocar novas eleições, acabou em sua destituição e prisão. A bem da verdade, essa resistência das forças políticas no poder aceitar resultados eleitorais que lhes sejam adversos, não tem sido um apanágio apenas da América Latina, vide o que ocorreu nas eleições norte-americanas, em 2020.
À medida em que as políticas neoliberais aprofundam a distância entre ricos e pobres, os mecanismos de regulação sobre os quais repousam as democracias liberais eleitorais deixam de funcionar. Assistimos a um processo crescente de radicalização política e de descrédito da democracia liberal em todo o mundo. Quanto mais frágeis as instituições, mais difícil resistir ao impulso das elites governantes de não aceitar resultados eleitorais que lhes sejam desfavoráveis.
A raiz que putrefa a democracia na América Latina está na reeleição e na possibilidade de mandatos sucessivos. Reeleger-se é um esforço populista. O populismo enaltece o personagem e enfraquece as instituições, propicia o fanatismo que desemboca na violência. A defesa da democracia passa pelo fim da reeleição e limite de dois mandatos para o executivo.
Também recentemente no Paraguai em 1996 e 2012, golpeou-se a democracia. Sendo em 96 malsucedido.