Alerta Científico e Ambiental – Vol. 27 – nº 11 – março de 2021
Que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) é uma superburocracia armada aferrada à busca de pretextos para seguir existindo, é algo que salta aos olhos. Por isso, mesmo após a implosão da antiga União Soviética e seu braço militar, o Pacto de Varsóvia, em 1991-92, a Aliança Atlântica tem se empenhado em cercar, provocar e demonizar a Federação Russa como o seu avatar existencial, o “inimigo” que espreita as democracias ocidentais e ameaça os seus grandiloquentes valores civilizatórios.
A realidade, entretanto, é bem diferente da trombeteada pelos “atlanticistas” de Bruxelas e seus suseranos em Washington. Há duas décadas sob a firme liderança de Vladimir Putin e seu grupo nacionalista, a Rússia de hoje não tem qualquer agenda hegemônica ou ideológica, ao contrário das potências ocidentais atreladas à pauta supremacista das elites “excepcionalistas” estadunidenses, incapazes de admitir a realidade das transformações históricas que estão redundando na emergência de um cenário de poder global multipolar, cooperativo e não-hegemônico. Ao contrário, as facções predominantes das elites russas (sim, lá também há uma facção “euroatlântica”, embora minoritária) estão concentradas em fomentar as capacidades produtivas do país, visando a transformá-lo em uma economia avançada e uma sociedade plenamente sintonizada com as novas realidades do século XXI. Depois de sete décadas de convivência forçada com o comunismo, as ideologias não têm lugar nesse esforço.
Não obstante, ancorada em uma longa história de invasões estrangeiras, a Rússia não descuida da sua capacidade dissuasória na esfera militar e tem se esmerado particularmente em exercer um inusitado “poder suave” em parte do campo “inimigo”, empregando exportações de recursos energéticos e, agora, vacinas contra a pandemia de Covid-19.
Em duas áreas, em especial, a Rússia tem surpreendido os “atlanticistas” com a capacidade de aplicar a sua vasta capacitação científico-tecnológica em novos produtos: as suas armas hipersônicas e as vacinas contra a Covid-19.
As primeiras foram apresentadas ao mundo (e, em especial, aos estrategistas ocidentais) no já histórico discurso de Putin no Parlamento russo, em 1º. de março de 2018. Na ocasião, a essência da sua mensagem foi: Senhores, o mundo está mudando rapidamente e não há mais espaço para hegemonias ou pretensões a um “excepcionalismo”. Portanto, parem de viver no passado e de sacudir o planeta Terra, o barco em que todos vivemos, e olhemos juntos para o futuro em uma nova ordem mundial cooperativa e benéfica para todos os países (MSIa Informa, 14/02/2018).
O arsenal revelado por Putin incluía vários sistemas de armas já operacionais ou em fase avançada de testes:
1) O míssil de cruzeiro Burevestnik, propelido por um motor nuclear e capaz de levar uma ogiva convencional ou nuclear a praticamente qualquer ponto do planeta.
2) O míssil antinavio hipersônico Kinzhal (adaga, em russo), capaz de atingir Mach 10 (dez vezes a velocidade do som) e com um alcance de até 2 mil quilômetros; a arma é lançada de caças MiG-31 modificados e já está em serviço no Distrito Militar Sul da Federação Russa, cuja jurisdição inclui o Mar Cáspio e o Mar Negro.
3) O supermíssil intercontinental Sarmat RS-28, dotado de 15 ogivas de reentrada independentes de 750 quilotons cada uma (para comparação, a bomba atômica lançada sobre Hiroshima tinha 15 quilotons), com alcance de 15 mil quilômetros, capaz de atingir o território continental dos EUA voando sobre o Pólo Sul.
4) O míssil planador hipersônico Avangard (vanguarda, em russo), capaz de atingir até Mach 20, o que lhe permitiria atingir Washington em apenas 15 minutos, se lançado do território russo. Devido às velocidades em que opera, as temperaturas na sua superfície metálica podem atingir quase 2.000oC, o que por si só denota avanços tecnológicos inusitados em materiais compostos capazes de resistir a elas.
5) O drone submarino de propulsão nuclear Status-6, capaz de atingir velocidades de até 56 nós (85 km/h), bem maiores que as de quaisquer belonaves ou torpedos disponíveis no Ocidente, e de mergulhar até 1.000 metros de profundidade, capacidades que o tornam praticamente invulnerável a qualquer sistema de defesa da OTAN. Pode ser equipado com uma ogiva nuclear e tem um alcance operacional de 10 mil quilômetros.
Cada uma dessas armas constitui uma façanha tecnológica em si própria. Todos os mísseis são manobráveis nos três eixos espaciais, o que dificulta tremendamente a previsão das suas trajetórias e a sua eventual interceptação por mísseis antibalísticos. O míssil de cruzeiro, por sua enorme autonomia e capacidade de voo baixo, pode evitar facilmente qualquer sistema de defesa antimísseis e antiaéreo.
Ademais, todas as tecnologias envolvidas demonstram grandes avanços em áreas como novos materiais, microeletrônica, comunicações e inteligência artificial, com vastas possibilidades de aplicações na indústria civil, evitando o calcanhar de Aquiles da antiga tecnologia militar soviética, que se revelou incapaz de oferecer tais subprodutos.
Já a propulsão nuclear de aeronaves é uma tecnologia que a própria URSS e os EUA haviam desistido de desenvolver na década de 1960. Apesar da inexistência de maiores detalhes, o nível de miniaturização necessário para utilizá-la em mísseis de cruzeiro sugere uma capacidade tecnológica pelo menos uma geração à frente da concorrência, com exceção, talvez, dos minirreatores de fusão nuclear da divisão Skunk Works da Lockheed Martin, anunciados para entrar em serviço em meados da década (MSIa Informa, 09/04/2018).
As novas superarmas deflagraram uma compreensível onda de histeria no Ocidente, pois evidenciaram a superioridade tecnológica russa sobre quaisquer sistemas de armas da OTAN – isto, a despeito de a Rússia ter apenas o quinto orçamento militar do mundo, sendo duas ordens de grandeza inferior ao dos EUA, inferior ao do Reino Unido e apenas pouco superior aos da França e da Alemanha.
Na ocasião, o analista militar Arkady Savitsky ressaltou a relevância maior do anúncio de Putin: “(…) O presidente russo nos recordou de que o objetivo mais importante é fazer melhor as vidas das pessoas, com avanços tecnológicos em todas as áreas. Para fazer isso, é preciso um período de calma, durante o qual as ameaças externas sejam mantidas à distância. É para isso que as armas são projetadas. Não uma corrida armamentista, mas a criação de um ambiente adequado para fazer florescer uma economia de alta tecnologia (Strategic Culture Foundation, 05/03/2018).”
Na história militar, potências militares menores têm sido capazes de se impor a potências bem maiores, operando pelos flancos e com inovações, seja em ações táticas no próprio campo de batalha ou com inovações tecnológicas decisivas. Para os EUA, núcleo da OTAN, em todo o período do pós-guerra, a sua colossal estrutura militar converteu-se em um instrumento de projeção de poder imperial e um fim em si mesmo, cujos gastos astronômicos (superiores aos de todos os demais países combinados) atendem muito mais aos apetites do “complexo de segurança nacional” (aí incluídos os megabancos que o financiam) do que às necessidades reais de defesa do país e seus aliados. Ao contrário da Rússia pós-soviética, que mostrou ser capaz de usar o “flanco” científico-tecnológico com grande eficiência, e não só na defesa militar, mas também na guerra sanitária contra a pandemia de Covid-19.
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