Resenha Estratégica – Vol. 17 | nº 29 | 29 de julho de 2020
Elisabeth Hellenbroich, de Wiesbaden
O presidente Donald Trump e seu secretário de Estado, Mike Pompeo, embarcaram em um ataque de múltiplas frentes contra a China, a Rússia e a Europa, além das próprias populações de várias cidades dos EUA. Aparentemente, Trump imagina que tal estratégia ofensiva melhore as suas chances de vitória nas eleições presidenciais de novembro.
Juntamente com a “guerra” nas cidades estadunidenses, onde forças federais fortemente armadas enfrentam manifestantes em cidades como Portland, Louisville e outras, Trump ordenou o fechamento do consulado chinês em Houston, pretextando a necessidade de “proteção” da propriedade intelectual e informações privadas estadunidenses. A medida tem um significado bastante simbólico, uma vez que o consulado em Houston foi a primeira representação diplomática chinesa nos EUA, após o restabelecimento das relações diplomáticas bilaterais, em 1972, no governo de Richard Nixon.
Por sua vez, Pompeo foi enviado em missão à Índia, Reino Unido e Dinamarca. Em Londres, após a reunião com o premier Boris Johnson e o secretário de Relações Exteriores Dominic Raab, o governo britânico proibiu oficialmente a empresa chinesa Huawei de participar do estabelecimento de uma rede de comunicações 5G no país e decretou mais sanções contra a Rússia. Em Copenhague, Pompeo pressionou o primeiro-ministro Mette Fredriksen, para reduzir os negócios com a China e reverter a posição dinamarquesa favorável ao gasoduto russo-alemão Nord Stream II, que atravessa o Mar Báltico.
Em um discurso proferido em 23 de julho, na Biblioteca Presidencial Richard Nixon, na Califórnia, Pompeo se referiu nada menos que 27 vezes ao Partido Comunista Chinês (PCC), afirmando: “Se queremos ter um século XXI livre e não um século chinês, sonhado por [o presidente] Xi Jinping, o velho paradigma de uma abordagem cega da China não funcionará mais.” Em outras palavras, ele sentenciou o fim da política de aproximação iniciada por Nixon em 1972. A resposta de Pequim foi imediata, com a determinação do fechamento do consulado estadunidense em Chengdu. Porém, com os olhos nas eleições de novembro, os pragmáticos chineses tentam evitar uma escalada.
Rússia e China
Os ataques dos EUA reforçaram a determinação russa de intensificar as relações com a China. Em 17 de julho, o ministro das Relações Exteriores chinês Wang Yi teve uma longa conversa telefônica com seu colega russo Sergei Lavrov, na qual afirmou que “os EUA perderam a cabeça, a moral e a credibilidade”, e enfatizou que Pequim e Moscou deveriam trabalhar juntos em questões de alcance global, como a pandemia de Covid -19 e a segurança regional. Wang afirmou que Pequim quer aumentar a sua coordenação estratégica com Moscou, descrevendo o relacionamento bilateral como “prioritário”, com a concordância plena de Lavrov.
Europa e China
Na Alemanha várias reações recentes têm demonstrado que, definitivamente, não é do interesse da indústria ou da política oficial alemã seguir a política de Trump para a China. Um estudo do Instituto da Economia de Colônia (Institut der Wirtschaft, Köln) sugere que a pandemia de Covid-19 acelerou um processo pelo qual a China poderá tornar-se o principal destino das exportações alemãs. Segundo o relatório, escrito pela economista sênior Galina Kolev, em maio, as exportações alemãs para a China se reduziram em 11,2%, em um montante de € 7,2 bilhões, enquanto as destinadas aos EUA caíram 36,5%, representando € 6,6 bilhões. Em junho, as exportações chinesas tiveram uma alta de 2,7%. Kolev estima que a China poderá tornar-se um país-chave como destino de exportações e que a União Europeia seria o seu maior parceiro comercial.
Do lado da política oficial, a chanceler alemã Angela Merkel, após uma videoconferência com a Comissão Europeia, em 11 de julho, afirmou que “não há razão para não se ter um diálogo com a China”, e que as relações com Pequim “são de importância estratégica”. Por sua vez, o ministro da Economia Peter Altmaier disse à revista Wirtschaftswoche (11/07/2020) que as relações comerciais não podem ser orientadas por um critério unilateral sobre quão democrático é um país. Altmeier recusou as pressões para excluir a Huawei das licitações para a rede 5G na Alemanha: “Não excluiremos a Huawei da rede 5G. Só pode haver exclusão se a segurança nacional estiver em perigo.”
Pela indústria alemã, o gerente-chefe da empresa química Lanxess, Matthias Zachert, observou que a China é o maior mercado para produtos químicos do mundo: “40% do mercado está lá e ele tem o maior crescimento. Temos 1.000 funcionários lá e estaremos claramente presentes também no futuro. É claro que nós, alemães, ficaríamos felizes de todos os países terem o mesmo entendimento sobre o Estado de Direito e padrões de governança semelhantes aos nossos. Mas a China tem 1,3 bilhão de habitantes e nós, no mundo ocidental, temos dificuldade em entender um país tão grande (Frankfurter Allgemeine Zeitung, 14/07/2020).”
Nord Stream II: chantagem dos EUA
Em paralelo com a nova “Guerra Fria” de Trump contra a China e sua tentativa de formar uma nova “aliança” contra Pequim, nos moldes da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte], as pressões de Washington se intensificaram particularmente contra a Alemanha e várias empresas europeias envolvidas no gasoduto Nord Stream II. A escalada mais recente teve início com a aprovação, pela Câmara dos Deputados do Congresso estadunidense, de uma resolução para prolongar e agravar as sanções contra o empreendimento, adicionando uma emenda à chamada “Lei de Autorização de Defesa Nacional”, que requer sanções mais intensivas contra as empresas que participam da construção do gasoduto. Isto ocorreu apesar de o vice-presidente da União Europeia, Josep Borrell, ter advertido que a medida seria um passo inaceitável em relação a terceiros países envolvidos em negócios legítimos. Não obstante, ele expressou dúvidas sobre os efeitos da ameaça de sanções contra empresas e interesses europeus.
A pressão é autorizada no âmbito da “Lei de Contenção dos Adversários dos EUA por meio de Sanções” (CAATSA, na sigla em inglês). Além da empresa russa Gazprom, as sanções são direcionadas contra as suas cinco sócias europeias, a francesa Engie, a austríaca OMV, a anglo-holandesa Royal Dutch Shell e as alemãs Uniper e Wintershall. O gasoduto de € 14 bilhões, com capacidade de transportar 55 bilhões de metros cúbicos de gás por ano, da Rússia para a Alemanha, tem apenas 160 dos seus 1.230 quilômetros ainda por concluir.
Mas, nos últimos dias, Washington decidiu intensificar ainda mais as pressões, convocando executivos europeus para videoconferências individuais com um grupo de 12 representantes dos departamentos de Estado, Tesouro e Finanças, que ameaçaram as empresas com sanções imediatas, incluindo a proibição de viagens dos executivos aos EUA. A chantagem foi clara, instando os europeus a encerrar a participação no projeto multibilionário e, em troca, comprar o dispendioso GLP estadunidense, pateticamente apelidado de “Gás da Liberdade” (Freedom Gas). O presidente do Comitê de Relações Orientais da Economia Alemã (Ost-Ausschuss der Deutschen Wirtschaft), Oliver Hermes, considerou o episódio “o ponto mais baixo absoluto em termos de relações transatlânticas”, acusando os EUA de “pisotear” a concorrência justa e usar vergonhosamente as sanções para promover os seus próprios interesses econômicos. Ele exortou a Comissão Europeia a reagir fortemente a essa chantagem e a impedir ataques contra a sua soberania.
Os estados unidos simbolizam genocídio e vergonha para o mundo.