Martin Sieff*
Resenha Estratégica – Vol. 17 | nº 24 | 24 de junho de 2020.
Em 16 de junho deste ano, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a remoção de outros 10 mil militares da Alemanha, reduzindo os números de forças militares estadunidenses a irrisórios 24,5 mil.
A ação ocorreu apenas uma semana antes do 76º aniversário do início da batalha mais decisiva da II Guerra Mundial, a destruição do coração da temível e monstruosa máquina de guerra nazista – Grupo de Exércitos Centro –, na Batalha da Bielorrússia. Foi uma conquista que continua a moldar o nosso mundo do século XXI.
A pandemia de covid-19 e a tragédia de George Floyd conseguiram, pelo menos, silenciar os contos de fadas infantis que costumam inundar a mídia dos EUA nesta época do ano, sobre como estadunidenses e os britânicos salvaram sozinhos o mundo da maldição do nazismo. Mas parece oportuno recordar, mais uma vez, a Batalha da Bielorrússia, a grande vitória que realmente quebrou o poder militar nazista, em junho de 1944.
Todos os historiadores militares ocidentais sérios, para o seu crédito, reconhecem plenamente essa realidade, mas na mídia popular isso é totalmente esquecido. Menos de 60 divisões da Wehrmacht nazista foram reunidas para enfrentar o desafio supostamente supremo da Guerra, o Dia-D, a invasão aliada da Europa. Porém, mais de 180 divisões da Wehrmacht continuaram comprometidas em conter o Exército Vermelho no Leste. E perderam.
A partir de 22 de junho de 1944, a União Soviética infligiu a maior derrota da história militar alemã, destruindo 28 das 34 divisões do Grupo de Exércitos Centro, matando e capturando 450 mil homens.
No espaço de um mês, o Grupo de Exércitos Centro, o grande centro de gravidade e sólida base estratégica de que a dominação alemã do coração da Rússia havia dependido por três anos, foi aniquilado. Foi uma derrota cataclísmica, em uma escala ainda maior que a de Stalingrado.
Na história militar alemã, a campanha é chamada “A destruição do Grupo de Exércitos Centro”. Ela ocorreu em paralelo e, em grande medida, possibilitou a grande vitória aliada no Ocidente, na Batalha da Normandia. A escala de destruição que caiu sobre o Grupo de Exércitos Centro eclipsou o extermínio do Bolsão de Falaise, na França.
O premier britânico Winston Churchill reconheceu imediatamente o significado e a escala da vitória. “Meu Deus, você não vê que os russos estão se espalhando pela Europa como uma maré?” – exclamou ele ao seu jovem secretário particular pessoal, John “Jock” Colville, que, 30 anos depois, foi meu orientador na Academia Britânica de Artes e Ciências.
Churchill reconheceu, corretamente, que a Batalha da Bielorrússia era de importância geoestratégica duradoura e, com certeza, o seu resultado continua tendo uma importância crítica até hoje, por ter estabelecido a supremacia militar soviética no Heartland (Centro Nevrálgico) de Sir Halford Mackinder – a ilha mundial geopolítica da Eurásia.
O colapso do comunismo e a implosão da União Soviética eclipsaram essa realidade durante a sombria década de miséria da Rússia no governo do presidente Boris Yeltsin, na década de 1990 (auxiliado e incentivado pelo Governo Clinton e pelos catastróficos conselhos econômicos do então secretário do Tesouro Larry Summers e do vice-presidente Al Gore). Mas não eliminou a realidade subjacente. Então, com o presidente Vladimir Putin, a Rússia recuperou a sua estabilidade, força econômica subjacente e poder militar.
Ao contrário do império global da Grã-Bretanha, que desapareceu nos 15 anos decorridos entre 1947 e o início da década de 1960, ou do poderio militar dos EUA, que foi exaurido pelas intermináveis guerras ineptas no Afeganistão e no Iraque, a Batalha da Bielorrússia estabeleceu uma realidade global que perdura até hoje.
Essa batalha, também conhecida como Operação Bagration, também assinalou a ascensão do método de guerra soviético e pós-soviético. Como o coronel aposentado do Exército dos EUA Douglas Macgregor, o mais perspicaz dos analistas militares ocidentais modernos, escreve em sua obra clássica, “Margem de Vitória” (Margin of Victory: Five Battles that Changed the Face of Modern War, Naval Institute Press, 2016): “A triunfante Wehrmacht de 1941 foi esmagada em 1944… (por) uma transformação soviética enfocada na integração e concentração da força de combate no nível operacional, para efeitos estratégicos.
“A União Soviética venceu a II Guerra Mundial na Europa Oriental”, concluiu Macgregor, “porque o Partido Comunista da União Soviética organizou as suas forças para obter a unidade absoluta de comando. (…) Graças a essa condição única de unidade de esforço, o Alto Comando soviético podia engajar tropas e recursos quando e onde fossem necessários, de maneira rápida e eficiente, nos níveis estratégico e operacional da guerra. (…) O espetacular avanço do poderio militar soviético sobre os destroços do Grupo de Exércitos Centro, no coração da Europa, garantiu a destruição do Terceiro Reich.”
A Batalha da Bielorrússia tem, igualmente, uma lição crucial sobre a força, resistência e resiliência do povo russo. Nos três anos seguintes a 22 de junho de 1941, mais de 25 milhões de russos morreram nas mãos dos invasores nazistas. Desde que os herdeiros mongóis de Genghis Khan conquistaram a China, no século XIII, tantas perdas de vidas haviam sido sofridas por uma única nação. Nem mesmo um ataque nuclear limitado à Rússia ou aos Estados Unidos, hoje, produziria baixas e sofrimento humano comparáveis. No entanto, o povo russo, com seus companheiros da Eurásia, ressurgiu para conquistar essa maior das vitórias militares.
Trinta anos após o Colapso do Comunismo, agora, é o Internacionalismo Liberal do Mundo Único – o Culto do Livre Comércio e das Fronteiras Abertas – que está colapsando diante dos nossos olhos. Mas a dinâmica militar estabelecida na Europa Central, em junho de 1944 – aquele verdadeiro Mês de Vitórias – ainda move a nossa realidade e formata o nosso destino global.
* Jornalista, ex-correspondente estrangeiro sênior do jornal The Washington Times e da agência United Press International (UPI), fez reportagens em mais de 70 nações e cobriu 12 guerras. É especializado em assuntos estadunidenses e econômicos globais.