Guerra do Paraguai, interesse nacional e falsificação histórica

    Batalha do Tuiuti - acervo do Exército Brasileiro
    Batalha do Tuiuti - acervo do Exército Brasileiro

    No dia 12/11/1864, o navio a vapor paraguaio Tacuari aprisionou, por ordens de Solano López, o navio brasileiro Marquês de Olinda, que navegava pelo rio Paraguai em direção à Província de Mato Grosso, levando a bordo o coronel Frederico Carneiro de Campos, recém-nomeado presidente da província.

    Este incidente, junto com os demais acontecimentos que culminariam na invasão da Província de Mato Grosso pelas tropas de Solano López, deflagraram o início da chamada “Guerra da Tríplice Aliança”, ou “Guerra do Paraguai”, prolongamento das disputas geopolíticas na Bacia do Prata, então evidentes nas divergências entre Paraguai, Argentina e Brasil acerca da política interna uruguaia.

    Solano López sonhava com um Paraguai protagonista diante dos vizinhos gigantes Argentina e Brasil.

    Diversos intelectuais brasileiros e sul-americanos divulgam tese segundo a qual o Brasil teria guerreado contra o Paraguai em nome de interesses da Grã-Bretanha, visando desmontar a ascendente indústria algodoeira paraguaia e abrir sua economia para a penetração econômica britânica. Entretanto, por uma série de contradições políticas, as próprias relações diplomáticas entre Brasil e Grã-Bretanha estavam, à época, rompidas. Por outro lado, o iminente fim da Guerra de Secessão dos Estados Unidos tendia a arrasar o mercado internacional do algodão, não restando sentido para a dita “intervenção britânica”. O próprio Paraguai à época tinha profundos vínculos com a Rotschild & Sons, importante casa bancária londrina. Se houvesse algum interesse algodoeiro na Guerra, este teria sido do próprio Império do Brasil em aniquilar um concorrente regional, e não dos ingleses.

    Também aludem a uma guerra injusta entre um Paraguai progressista e indefeso contra um Império brasileiro retrógrado e ofensivo, marcado pela escravidão e autoritarismo. Entretanto, o Estado paraguaio, à época, era proprietário de milhares de escravos, com a imensa maioria da população paraguaia então submetida ao trabalho forçado e gratuito. O próprio monopólio estatal na produção de erva, madeira e tabaco não era uma manifestação de um moderno “capitalismo de Estado”, mas sim uma herança da Coroa de Castela, com a economia paraguaia não ultrapassando, então, a fase pré-monetária.

    Corrente é a tese que atribui ao Brasil as intenções imperialistas e expansionistas deflagradoras da Guerra. Evidentemente, Solano López construiu sólida aliança com a classe mercantil de Montevidéu (Uruguai), visando constituir um Estado nacional ampliado, anexando determinadas regiões do Brasil e da própria Argentina (Entre Rios e Corrientes).

    No começo da Guerra, as tropas da Tríplice Aliança (Brasil-Argentina-Uruguai) eram imensamente inferiores às do Paraguai, que visava empreender uma rápida vitória e conseguir o apoio de virtuais dissidentes argentinos, como Urquiza (que acabou guerreando ao lado do governo argentino, contra os paraguaios).

    D. Pedro II liderava um Império pacífico e quase desarmado quando Solano López iniciou a guerra.

    Longe de constituir um enfrentamento entre “bons” e “maus”, a Guerra da Tríplice Aliança foi mais um capítulo do processo de formação e consolidação dos Estados nacionais na Bacia do Prata. Neste confronto, o Brasil não se guiou por “interesses britânicos” ou pelas características ditas “reacionárias” do Império, mas pela defesa de seu território e de seu povo. Na guerra, a frente única em defesa da nação gerou importantes sentimentos de patriotismo no povo e no Exército Brasileiro, influenciando, nos anos posteriores, tanto o processo de abolição da escravatura quanto a própria proclamação da República.

    De forma alguma, entretanto, as marcas deste confronto devem imperar nas relações entre brasileiros e paraguaios, povos irmãos que por desavenças de natureza geopolítica guerrearam em defesa de seus interesses divergentes no século XIX. Mas necessário se faz resguardar que as ações de ambos se processaram em defesa de seus próprios interesses, e não em nome de questões alheias às suas próprias nações, num confronto em que, definitivamente, inexistiu a dualidade da luta dos “heróis” contra os “vilões”. Afinal, ambos, brasileiros e paraguaios, são donos de seus próprios destinos, e exatamente por essa razão, acima de desavenças fomentadas por uma bibliografia de questionável índole, constroem hoje, conjuntamente, diversos mecanismos em prol da cooperação e desenvolvimento de ambos os povos.

    Fontes:

    A expansão do Brasil e a formação dos Estados na Bacia do Prata – Luiz Alberto Moniz Bandeira

    Maldita Guerra: nova história da Guerra do Paraguai – Francisco Doratioto

    Tiago Soares Nogara
    Tiago Soares Nogara: Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI), da Universidade de Brasília (UnB), e pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Segurança Internacional (GEPSI)

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    5 COMENTÁRIOS

    1. Bom dia, gostei muito de ver meu trabalho, “Sampaio em Tuiuty”, ost, 2009, ilustrando seu artigo, porém peço citar a minha autoria. Acrescento que o mesmo se encontra exposto no Gabinete do Subcomandante da DPHCEx e pertence ao acervo desta Diretoria.
      Atenciosamente,
      Jorge Cunha

    2. Gostaria de saber onde foram construídos os navios que venceram a batalha de Riachuelo, e quanto custaram.

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